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Águas Claras da Baía de Guanabara não têm relação com a quarentena imposta pela pandemia causada pela Covid-19.

Professor Rodolfo Paranhos do Instituto de Biologia da UFRJ – Universidade Federal do Rio de Janeiro, esclarece sobre o evento das águas claras na Baía de Guanabara durante a pandemia de Covid-19 e fala sobre poluição da baía em geral.

Baía de Guanabara vista de satélite da NASA.
Crédito: wikipedia.org_Guanabara

Rodolfo Paranhos é Professor Associado da UFRJ, pesquisador bolsista do CNPq (nível 2). Publicou 81 artigos em periódicos especializados (que foram citados 1397 vezes no Web of Science e com índice h = 22). Possui 20 capítulos de livros e 3 livros publicados. É Editor Associado da revista Plos One desde 2012. Atua na área de Ciências ambientais e Oceanografia Química e Microbiológica, com ênfase em nutrientes, qualidade de água e bacterioplâncton. Coordena o monitoramento da qualidade das águas na Baía de Guanabara desde 1997.

1) Tem sido divulgado em alguns meios de comunicação que o fenômeno das águas claras da Baía de Guanabara, assim como o aparecimento de espécies marinhas que não são vistas com facilidade, como resultado da pandemia de Covid-19 que forçou o isolamento da população. Tem algum sentido isso ou não passa de um fenômeno natural?

É um fenômeno natural. Conferindo as datas e os horários de maré, sempre coincidia com momentos de maré alta; todo dia tem maré alta e maré baixa. A água que está fora da baía entra (fenômeno natural do litoral carioca). No caso, estávamos com águas claras em nosso litoral e essas águas foram bombeadas para dentro da baía. De todo modo, foi um fenômeno intenso, porém não incomum. Enfim, esse fenômeno das águas claras não tem relação com a pandemia por coronavírus, pois ainda pode-se considerar que a população é a mesma, gerando a mesma quantidade de esgoto; talvez um pouquinho mais localizado porque as pessoas não estão se deslocando da Baixada Fluminense para a Zona Sul para trabalhar, por exemplo. Isso poderia modificar um pouquinho a região para onde esse esgoto está indo.

Independente da quantidade, parte do lixo despejado fica depositado no fundo da baía permanentemente ou pode ser levado pelas marés?

Acontece um pouco de tudo (há poucos estudos quantificando isso). O lixo flutuante sai da Baía de Guanabara no momento de maré baixa. Ele também se deposita no fundo. Hoje em dia se estuda o micro plástico proveniente de resíduos de fibras de roupas, pedaços de plástico que vão se partindo, se degradando, ficando cada vez menores, por exemplo. Então o lixo fica distribuído por toda a baía, em seu espelho d’água, pelo meio até as camadas de fundo. O lixo é um grande problema para a nossa baía, necessitando de uma intensa conscientização da população sobre a forma correta de descartá-lo. Mesmo com as ecobarreiras colocadas nos rios para segurar o lixo jogado diretamente nas águas, é imprescindível conscientizar a população para conduzir de forma apropriada o descarte do lixo produzido.

 Boto-cinza com a Ilha Fiscal, das Cobras e Escola Naval aos fundos .
Foto Liliane Lodi/Projeto Baleias e Golfinhos do Rio

2) Então esse lixo fica distribuído pelas três camadas da Baía? Chega a afetar a profundidade e a navegabilidade da Baía?

Pode se chamar a superfície, o meio e o fundo como três camadas sim, embora seja mais complexo que isso. Não acredito que os detritos deixem a água mais rasa, mas a navegabilidade é afetada sim e podemos citar como exemplo as Olimpíadas do Rio de Janeiro, quando havia a possibilidade de colisão com um tronco de árvore ou até mesmo um sofá durante uma regata. Portanto, há sim um perigo para as embarcações pequenas. Pedaços grandes de lixo podem atrapalhar pescadores, iatistas, desportistas etc. É realmente danoso. O trabalho da Universidade, chamado de Extensão, é para conscientizar as pessoas a fim de evitar esse problema. Nesse sentido, a imprensa é uma parceira fundamental para passar esse recado à população.

Lixo flutuante na região da Praia de Ramos. Crédito: Professor Rodolfo Paranhos

3) E o que seriam as “ecobarreiras”, citadas na resposta à pergunta de número um? E como elas funcionam?

São barreiras colocadas nos rios que seguram o lixo antes que alcance o espelho d’água da Baía de Guanabara. No entanto, o lixo precisa ser recolhido para que não sobrecarregue essas barreiras, que podem ceder e deixar os resíduos extravasarem.

4) Então seria uma espécie de rede ou peneira?

Sim, algo parecido com isso; uma barreira que fica na superfície, um pouquinho na coluna d’água, funcionando como uma rede que vai segurando esse lixo.

5) E quem é responsável por recolher esse lixo retido?

Cada lugar pode ter um arranjo entre prefeitura e Comlurb ou entre prefeitura e estados para resolver quem é o responsável pelo lixo retido. Só que aí há o problema da falta de continuidade, do compromisso, dos serviços que são prestados pelo governo à sociedade. Outra questão é se toda a cidade é atendida pela coleta de lixo. Teria em todas as cidades a coleta de lixo reciclável? Cerca de 80% do lixo produzido é de material reciclável. Entra aí também uma questão de educação, além do lixo reciclável ainda ser uma fonte de receita.

6) Então, na sua opinião, a ação prioritária seria a conscientização da população em separar o lixo adequadamente e a institucionalização da coleta seletiva?

Exato. Uma das ações prioritárias seria essa questão da conscientização da população, e não apenas em separar o lixo, mas também não o jogar nas ruas, nos córregos etc. Infelizmente, há casos em que a população reside à beira de um córrego e não é atendida pela coleta de lixo, o que complica muito a situação, inclusive colocando a saúde dessas pessoas em risco.

Boto-cinza . Foto Liliane Lodi/Projeto Baleias e Golfinhos do Rio

7) E que outras ações poderiam ser tomadas nesse sentido?

Além da educação, a urbanização e a dignidade. É complicado porque ainda dependemos de ações governamentais. O lixo ainda pode ser resolvido pelo indivíduo, mas o esgoto não tem como. Somente os governos podem tratar dessa questão e a população deve exigir isso. Eu gostaria de poder votar em um político que tivesse essa proposta, mas, infelizmente, isso não é uma coisa muito visível. Sem contar que uma parcela da população luta por uma refeição. Então, para elas, a questão do esgoto chega a ser um luxo. Muito triste.

8) O senhor está envolvido com o monitoramento e pesquisa das águas da Guanabara há bastante tempo. O que mudou nesse tempo todo?

Sim, já são 34 anos envolvido com o monitoramento e pesquisa, desde quando era estudante. De efetivo mesmo, nós temos um programa de monitoramento que é o Observatório Microbiológico do Rio de Janeiro, que começou em março de 1997. O que mudou foi a qualidade das águas da baía, que vem decaindo ao passo que a população aumenta. A coleta e o tratamento do esgoto produzido não acompanham esse ritmo de crescimento populacional. Hoje, a qualidade das águas é bem pior que há décadas e, logicamente, melhor que daqui há dez anos, por exemplo. Isso porque a população vai continuar crescendo e não creio que a questão sanitária vai ter o acompanhamento suficiente. Também tem outras situações, por exemplo, em épocas de La Niña e de El Niño, a taxa de poluição aumenta. Mas, de uma maneira mais simples, o que a gente pode afirmar em 23 anos de dados, a qualidade piora, assim como os níveis de amônia crescem em determinadas áreas, que hoje têm menos oxigênio, o que afeta diretamente a vida no local.

Experimento em laboratório. Crédito: Professor Rodolfo Paranhos

Os níveis de amônia vêm aumentando ao longo dos anos e os de oxigênio diminuindo. Ainda temos um aumento de lixo flutuante com a questão do uso de máscaras por conta da pandemia do coronavírus, gerando grande preocupação. Pelo mesmo motivo, o lixo descartável aumenta com as pessoas em casa que, por exemplo, pedem mais comida fora, o que eleva bastante o descarte de embalagens utilizadas no acondicionamento dos alimentos.

A qualidade da água preocupa bastante para o futuro. O cenário não é muito favorável e tem a questão da falta de financiamento para pesquisa. Pode ser que não haja muito mais pesquisa para avaliar ou quantificar essa modificação ao longo do tempo diante de um desmonte da estrutura de ciência e tecnologia. Ainda mais com esse problema da Covid-19, os trabalhos estão suspensos e poderão não continuar já que estamos com dificuldade em manter a equipe, comprar reagentes e pagar o barco para as expedições etc. Enfim, infelizmente deu uma interrompida no trabalho e fico preocupado se teremos condições de retomar.

Local de coleta de amostras de água desde 1997, no canal entre a
Praia de Ramos e a Ilha do Governador. Crédito: Professor Rodolfo Paranhos

9) Voltando ao assunto da pesquisa, como é o trabalho no Observatório Microbiológico da Baía de Guanabara?

O objetivo da nossa pesquisa é tentar entender as interações dos microrganismos com o meio ambiente. O quanto a microbiota é afetada e quando se fala em microrganismos, não é só de coliformes fecais, vírus e outros patógenos (ou seja, ligados a doenças). É uma coisa de ecologia: Tem vírus que fazem parte do ambiente, por exemplo, se eu for a mil quilômetros mar adentro, bem no meio do Oceano Atlântico, eu posso ter cem mil bactérias por mililitro de água, às vezes um milhão de vírus por mililitro. Então essa chamada microbiota faz parte do ambiente natural. Ela que recicla carbono, nitrogênio, produz oxigênio para o planeta. Não é a Amazônia que é o pulmão do mundo, mas sim os oceanos.

Em suma, o nosso estudo é avaliar essas condições e comparar com outras baías do mundo, propondo soluções, quem sabe, novas interações biológicas. A parte aplicada é o controle de poluição e sugerir métodos para melhorar isso. Nós acabamos de fazer um estudo, incluindo ensaios experimentais em laboratório, no qual concluímos que o esgoto precisa ser tratado até a retirada de nitrogênio.

Expedição para coleta de amostras de água durante a pandemia,
com o Dr. Anderson Cabral e a Mestra Mariana Lessa.
Crédito: Professor Rodolfo Paranhos

10) A poluição da Baía de Guanabara pode vir a inviabilizar a navegação de pequenas embarcações? Como afetaria a atividade pesqueira nesse futuro sombrio?

O esgoto não vai afetar a navegação, apenas tornando-a desagradável. Imagina se tivesse aproveitado as Olimpíadas para começar um processo sério de tratar a baía? Mas não daria tempo, como não deu na de Sydney (Austrália). No entanto, em 2010, essa baía estava limpíssima. Se houvesse o mesmo tratamento aqui, toda a população seria beneficiada. A economia poderia ser incrementada com o lazer, esportes náuticos e turismo sem o risco do contato com uma água poluída. Só tem uma solução: tem que tratar o esgoto. Só que tratar esgoto é caro em qualquer lugar do mundo. No entanto, tem a questão do valor econômico. O quanto a Baía de Guanabara limpa poderia gerar? O valor dos imóveis de Copacabana, Ipanema e Leblon com certeza aumentaria, além disso tem o valor imaterial da orla carioca, como a “Garota de Ipanema”. Tratar esgoto é caro, mas o povo merece, gera recursos financeiros e nós precisamos disso.

Vista da Praia de Ramos, com o Piscinão ao fundo. Crédito: Professor Rodolfo Paranhos

11) Pensando no que o senhor mencionou sobre a baía de Sydney, que se tornou limpa em 2010, na hipótese de que conseguíssemos reduzir drasticamente a poluição da baía, quanto tempo ela levaria para se regenerar?

Essa é uma excelente pergunta que não tem resposta! Se alguém tiver um número para isso, está tirando esse número da cartola. Apesar de todos os estudos na baía, pois temos vários grupos trabalhando na UERJ, UFRJ, UFF, Rural e na Fiocruz, não se conhece tanto porque não há investimento contínuo. Então, algumas pessoas se arriscaram a fazer prognósticos, mas eu acho que são prognósticos oportunistas e/ou irresponsáveis baseados em achismos. Qual o valor disso? O que importa é quando for feito baseado em dados científicos, aí sim podemos considerar alguma resposta.

Mas tentando te dar uma resposta objetiva para isso, tem a questão das marés que é muito importante, pois foi objeto de um dos primeiros estudos que nós fizemos (já tem quase trinta anos que isso está publicado) e que mostra as taxas de renovação das águas, a modificação de qualidade de água nos momentos de maré alta e maré baixa. Isso mostra uma coisa muito importante em relação à possibilidade da baía em renovar suas águas. Eu te diria que não é muito tempo. Imagina um cenário utópico, caso fosse possível parar todo despejo de esgoto e poluentes industriais na Baía de Guanabara de uma hora para a outra, muito em breve poderíamos estar sentados na beira, tomando uma cervejinha, caso o novo coronavírus permita, com uma água bem mais limpa. Isso seria muito rápido. Mas o que eu estou falando não pode ser interpretado de forma leviana. O problema da poluição é bem complexo. No entanto, a própria questão das águas claras, voltando à sua primeira pergunta, reforça o que estou falando. Olha a benesse que apenas um movimento de maré jogando água limpa dentro da baía pode fazer. Imagina se o tempo inteiro essa água limpa não tivesse que brigar com a suja; eu acredito, com base na experiência de muitos anos monitorando as águas da baía, que seria rápido e que iríamos nos surpreender com a rapidez do processo. Cessar todas as fontes poluidoras é uma utopia, mas se reduzíssemos drasticamente a poluição na baía, em alguns anos, em pouco tempo a população poderia usufruir de todo esse investimento e acredito que valeria cada centavo dos milhões investidos para esse objetivo.

Ilha Fiscal. Crédito: <https://pt.wikipedia.org/wiki/>

12) Sobre o Observatório, há algum convênio, nacional ou internacional, na pesquisa, subvenção e financiamento?

Sim, para manter um projeto desse de 23 anos, pagando embarcação, alunos, profissionais, comprando reagentes e equipamentos, é necessário. Atualmente, algum dos poucos recursos que nós temos vêm do CNPq (PELD – Pesquisas Ecológicas de Longa Duração e o Projeto Baías). Agora, são poucos recursos o que complica o pagamento de pessoal, mas também temos os estudantes de graduação, mestrado e doutorado cujos objetos de tese são os assuntos de pesquisa do laboratório. Então, você tem pessoas altamente qualificadas trabalhando para essa finalidade. Quando é possível aprovar algum projeto no exterior, é de grande ajuda. Por exemplo, já tivemos um projeto para financiar as atividades educacionais, isso foi uma coisa que nos deixou bem felizes no ano em que ganhamos esse financiamento. Temos também algumas iniciativas privadas como a da Praticagem do Rio de Janeiro que financiou as despesas com as lanchas para as expedições para a coleta de amostras da Baía de Guanabara. Em algumas situações, foram utilizados recursos próprios mesmos a fim de manter esse projeto. CNPq e CAPES são dois órgãos de fomento de pesquisa que nos ajudam com recursos, assim como a FAPERJ aqui no Rio de Janeiro. Esses são importantíssimos parceiros que financiam nossas atividades.

13) Para finalizar, o senhor gostaria de fazer mais alguma consideração?

Para finalizar, além de agradecer a vocês pela oportunidade, insisto em investir bastante na questão da educação; essa talvez seja a principal ferramenta para capacitar a população para lutar contra esses problemas que acontecem. Com educação as pessoas não vão aceitar a falta de saneamento básico, a corrupção política, enfim, todos esses flagelos que assolam todo o povo brasileiro. No nosso caso, a questão da educação ambiental. De prover as pessoas de uma conscientização sobre o ambiente em que elas vivem.

Ilha de Vileguenhon. Crédito: Marinha do Brasil

Flavio Porto começou como jornalista trabalhando no primeiro provedor de internet do Rio de Janeiro, o Inside Information Systens (IIS) nas funções de webmaster, editor e redator da página principal e do seu site sobre jogos eletrônicos, o “jogos.com.br”, além de trabalhar como colaborador na revista mensal “Mundo dos Jogos”. Após aprovação em concurso, passou a integrar a revista do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro como jornalista e repórter fotográfico. Depois, atuou por alguns anos como chefe do antigo Serviço de Comunicação e Identidade Visual do mesmo Tribunal. Também fez uma exposição literária-fotográfica no Museu da Justiça do TJRJ durante esse período. Atualmente, escreve para o Rumar.org.br, voluntariamente.

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Plos One https://journals.plos.org/plosone/

Créditos:

1- https://pt.wikipedia.org/wiki/Ba%C3%ADa_de_Guanabara Baia de Guanabara, vista pelo satélite da NASA;

2ª Vista da Baía a partir do Morro do Pão de Açúcar, com destaque para o Aeroporto Santos Dumont e a Ponte Rio-Niterói;


3- Por Navy of Brazil, Attribution, https://commons.wikimedia.org/w/index.php?curid=3453947 Ilha de Vileguenhon localiza-se no interior da baía de Guanabara;

4- Por Halley Pacheco de Oliveira – Obra do próprio, CC BY-SA 3.0, https://commons.wikimedia.org/w/index.php?curid=24821161 Ilha Fiscal;

5- Baía de Guanabara vista da Igreja da Penha <https://pt.wikipedia.org/wiki/Ba%C3%ADa_de_Guanabara>

6- https://projetocolabora.com.br/ods6/visitantes-nada-inconvenientes/ Golfinhos na baía de Guanabara

Baía de Guanabara vista da Igreja da Penha.
Crédito: <https://pt.wikipedia.org/wiki/Ba%C3%ADa_de_Guanabara>

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