Amazônia Azul

Cientista destaca papel da Marinha na preservação dos oceanos e aponta COP30 como crucial diante de crise climática

Considerado um dos cientistas brasileiros mais respeitados do cenário científico mundial, Carlos Nobre é referência internacional nos estudos sobre mudança climática. Com décadas dedicadas à pesquisa e à comunicação científica, tem sido uma das vozes mais ativas no alerta à sociedade sobre os riscos do aquecimento global, em especial os impactos na Amazônia e nos oceanos. Recentemente, o tema foi abordado por Nobre em palestra promovida pelo Centro de Excelência para o Mar Brasileiro (CEMBRA), disponível no canal do YouTube da Instituição.https://www.youtube.com/embed/krlyV3sh6Rg

Em entrevista à Agência Marinha de Notícias, Nobre reforça a importância dos oceanos na regulação do clima, alerta para os riscos do derretimento das geleiras e destaca o papel da Marinha e do Brasil na COP30 — conferência do clima que pode ser decisiva para o futuro do planeta.

Agência Marinha de Notícias: Nós sabemos que o mar é um dos principais reguladores da temperatura do planeta. Qual a explicação para isso?

Carlos Nobre: Os oceanos cobrem 71% da superfície da Terra e as águas são o principal meio de absorção da radiação solar — cerca de 90% da energia recebida é retida pelos oceanos, o que ajuda a manter um equilíbrio climático essencial. Esse equilíbrio depende, em grande parte, da capacidade dos oceanos de absorver também o calor gerado pelo efeito estufa que estamos intensificando. A radiação térmica absorvida pelos gases de efeito estufa é, em boa medida, transferida para os oceanos, que retêm grande parte desse calor. Se não fosse por essa retenção, a temperatura média do planeta já teria aumentado muito mais.
 
Agência Marinha de Notícias: Qual a consequência do derretimento das geleiras para o aumento do nível do mar e as mudanças climáticas?

Carlos Nobre: Os mantos de gelo — principalmente na Groenlândia e na Antártica — e também as geleiras, localizadas em montanhas muito altas, já vêm derretendo, e são responsáveis por 50% do aumento do nível do mar. Os outros 50% se explicam porque, ao aquecer, o oceano sofre uma dilatação térmica: a densidade da água diminui, ela fica mais leve e se expande. O risco de aceleração no derretimento das geleiras está aumentando muito, já que a temperatura global já chegou a 1,5 °C acima da média, e se mantém nesse patamar há quase dois anos. Por exemplo, no mês de maio, a Groenlândia registrou temperaturas 3 °C acima da média, o que acelerou em 17 vezes o ritmo de derretimento das geleiras.

Se voltarmos cerca de 120 a 130 mil anos, no último período interglacial — quando a temperatura da Terra era semelhante à de hoje —, boa parte, quase todo o manto de gelo da Groenlândia já havia derretido, e o nível do mar estava cerca de 6 metros mais alto. Portanto, há um risco real de aceleração. Mesmo que consigamos manter a temperatura em 1,5 °C, o nível do mar deverá subir pelo menos 50 centímetros. Caso o derretimento do manto de gelo da Groenlândia e também de parte do manto de gelo da Antártica — especialmente da Antártica Ocidental, ao sul do Oceano Atlântico — se acelere, esse aumento pode chegar a 1 metro.

Se a temperatura continuar subindo e ultrapassar os 2 °C, é praticamente certo que ultrapassaremos 1 metro de elevação até o fim do século, podendo chegar a mais de 3 metros em 200 anos. Com a população mundial atual, um aumento de 1 metro no nível do mar afetaria a vida de mais de 200 milhões de pessoas que vivem em regiões costeiras. Essas pessoas não poderão mais permanecer onde estão. Suas moradias, comunidades, estruturas industriais e comerciais terão que ser transferidas para outras regiões.

Agência Marinha de Notícias: Quais os desafios a enfrentar no contexto das emergências climáticas?

Carlos Nobre: Não há dúvida de que a temperatura já chegou aos 1,5 °C. A ciência, ainda em 2022, previa que ela alcançaria 1,3 °C no segundo semestre de 2023, devido ao El Niño. Esse El Niño foi muito bem previsto — era um El Niño forte, como já se esperava — e, de fato, foi o terceiro mais intenso. Mas, de repente, em 2024, a temperatura alcançou 1,55 °C, ou seja, 0,25 °C acima do previsto, e esse nível se manteve durante os quatro primeiros meses de 2025.

Estamos, portanto, diante de uma emergência. Se a temperatura não cair, a Organização Meteorológica Mundial divulgou na semana passada um estudo indicando 87% de probabilidade de atingirmos 1,5 °C permanentemente até 2030. Se isso acontecer, estaremos enfrentando um gigantesco desafio. Nunca, em toda a história das civilizações — nos últimos 10 mil anos — a humanidade viveu uma crise ambiental e climática como essa.

Diante disso, há duas ações fundamentais. A primeira é acelerar drasticamente a redução das emissões. Por exemplo: se a temperatura global atingir 1,5 °C até 2030, mas só zerarmos o saldo de emissões em 2050, ultrapassaremos os 2 °C. Alguns estudos apontam que podemos chegar a 2,5 °C. E isso seria uma tragédia.

Esse cenário representa um risco não só para a humanidade, mas para milhões de espécies vivas — animais, plantas. Podemos provocar a sexta extinção em massa da vida no planeta, cuja origem remonta a 3,8 bilhões de anos. É um risco enorme.

Por isso, precisamos zerar as emissões muito antes de 2050. Se atingirmos 1,5 °C em 2030, será necessário zerar até, no máximo, 2040 para garantir que a temperatura não ultrapasse os 2 °C. E mesmo depois disso, será necessário continuar removendo gás carbônico da atmosfera para que possamos, quem sabe, chegar a 2100 com 1,5 °C.

Esse é um desafio gigantesco — e, infelizmente, não estamos seguindo nessa direção. O ano de 2024 registrou uma das maiores emissões da história do planeta. Por isso, é urgente termos consciência desse desafio e reduzirmos as emissões muito rapidamente.

Além disso, nós, os bilhões de habitantes do planeta, estamos muito pouco preparados para os eventos extremos que já estão ocorrendo: ondas de calor, secas, chuvas intensas, incêndios florestais — todos batendo recordes no mundo inteiro, justamente nos anos em que a temperatura atinge 1,5 °C. Temos também, portanto, o enorme desafio de nos adaptarmos.

Ondas de calor são hoje a principal causa de mortes associadas ao clima. E, diante disso, precisamos transformar profundamente o modo de vida de bilhões de pessoas — especialmente os mais de 500 milhões de idosos no mundo, crianças muito pequenas, pessoas com doenças crônicas — todos extremamente vulneráveis ao calor extremo.

Portanto, esse é um enorme desafio: não apenas zerar rapidamente o saldo de emissões dos gases de efeito estufa, mas também criar mecanismos de adaptação em larga escala.

Agência Marinha de Notícias: Como a Marinha do Brasil contribui para o uso sustentável dos oceanos?

Carlos Nobre: Sem dúvida, a Marinha brasileira vem, há muitos anos, desenvolvendo pesquisas importantes, especialmente na área da oceanografia. E é evidente que a Marinha deve continuar atenta à questão de como o aquecimento global vem — e continuará — afetando os oceanos.

Um exemplo muito relevante é que, se a temperatura dos oceanos aumentar 1,5 °C e chegar a 2 °C, isso representa um risco enorme de extinção para praticamente todas as espécies de recifes de corais. Esses recifes não apenas absorvem muito carbono em seu entorno, mas também sustentam cerca de 25% de toda a biodiversidade oceânica. O Brasil possui recifes de coral, principalmente na costa do Nordeste, e no ano passado, quando a temperatura bateu recordes na região de Alagoas e Bahia, foi registrado um branqueamento severo desses recifes — um sinal claro do início de sua extinção.

Portanto, é fundamental que a Marinha continue monitorando de forma rigorosa o que está acontecendo no Oceano Atlântico, bem como em relação a todas as variações climáticas. Em 2023 e 2024, por exemplo, os oceanos — que vinham removendo entre 23% e 24% de todo o gás carbônico lançado na atmosfera — reduziram essa capacidade de remoção, o que exige atenção redobrada.

Além disso, a maior dissolução de gás carbônico nos oceanos aumenta a acidez da água. Esse processo, se continuar se intensificando, representará uma ameaça ainda maior à biodiversidade oceânica.

Por isso, é extremamente positivo que as instituições da Marinha estejam engajadas nesse monitoramento constante, buscando formas de compreender e antecipar essas mudanças, especialmente no Oceano Atlântico. A escala, no entanto, é global.

Um ponto crítico, por exemplo, é o enfraquecimento da circulação meridional de revolvimento do Atlântico. [A circulação meridional de revolvimento do Atlântico é um sistema de correntes oceânicas que transporta grandes volumes de água quente do Equador em direção ao Polo Norte e devolve águas frias ao sul, desempenhando papel essencial na regulação do clima global.]
Seu enfraquecimento já vem contribuindo para o aumento das temperaturas no Atlântico tropical norte e induzindo secas em grandes áreas da Amazônia.

Há ainda o risco de atingirmos um “ponto de não retorno” nessa circulação. Se isso ocorrer, pode haver mudanças drásticas em todos os oceanos globais. Essa circulação transporta águas frias do fundo do Atlântico até a Antártica, ajudando a manter os blocos de gelo presos ao continente. Com o enfraquecimento desse sistema, menos água fria chega à região, o que já está provocando o desprendimento de grandes blocos de gelo — fenômeno que pode acelerar ainda mais o aumento do nível do mar.

Agência Marinha de Notícias: Em sua opinião, qual deve ser o papel do Brasil e, por extensão, da Marinha na COP30, no sentido de assumir liderança internacional em temas como a proteção dos oceanos, o uso sustentável da Amazônia e o combate às mudanças climáticas?  

Carlos Nobre: Sem dúvida, a COP30 precisa ser a mais importante de todas as 30 COPs realizadas até agora. Não há dúvida de que o planeta nunca enfrentou uma emergência climática tão grave. Ainda que a temperatura já estivesse alta na COP28, em 2023, e ainda mais elevada na COP29, realizada no Azerbaijão em 2024, não houve ali nenhuma grande mudança de rumo ou busca efetiva por soluções. Continuava-se dizendo: “não vamos deixar a temperatura ultrapassar 1,5 °C”, mas, ao mesmo tempo, se falava em zerar o saldo de emissões só em 2050 — mesmo com o aquecimento global já atingindo os 1,5 °C.

Agora é diferente. A COP30 carrega um enorme desafio: será necessário zerar as emissões muito antes. O presidente Lula ressaltou em seu discurso final na reunião do G20, no Rio, em novembro do ano passado, que todos os países devem zerar as emissões até 2040 — no máximo até 2045, mas provavelmente antes disso. Esse é um ponto central da COP30.

O embaixador André Corrêa do Lago também já declarou que a COP30 precisa enfrentar todos os desafios, inclusive o de promover uma transição rápida na redução das emissões globais. Atualmente, cerca de 75% das emissões vêm da queima de combustíveis fósseis — historicamente, esse número já chegou a 80%. Por isso, é urgente uma transição energética muito acelerada, acompanhada de financiamento robusto.

O embaixador André Corrêa do Lago, com razão, pretende retomar uma proposta que não avançou na COP29, no Azerbaijão: um estudo apontou que, para viabilizar essa transição energética e a redução das emissões, será necessário um aporte de aproximadamente 1,3 trilhão de dólares entre 2026 e 2035 — cerca de 800 bilhões por ano destinados à transição energética e outros 500 bilhões anuais voltados para acelerar a adaptação e aumentar a resiliência de bilhões de pessoas vulneráveis aos eventos extremos.

Esse é o grande desafio. E, sem dúvida, a COP30 também precisa incluir a proteção dos oceanos como tema central. Devem ser propostas ações concretas para impedir o contínuo aumento da temperatura — como já mencionado, o aquecimento ameaça causar a extinção em massa de recifes de corais e diversos outros impactos graves em todos os oceanos globais.

A COP30 será realizada na foz do Rio Amazonas, às margens do Oceano Atlântico — uma região que vem registrando aquecimento recorde. Esse aumento da temperatura no Atlântico Norte, além do El Niño, foi um dos fatores mais relevantes na seca histórica que atingiu a Amazônia em 2023 e 2024. Estudos também mostraram que esse mesmo aquecimento contribuiu para o evento de chuva extrema que quebrou recordes em Valência, na Espanha: a água evaporou em grandes volumes, subiu para a atmosfera, atravessou o continente africano e gerou aquela tempestade devastadora.

Diante disso, a Marinha tem um papel importante: levar à COP30 a urgência de conter o aumento da temperatura e de proteger todos os oceanos.

Fonte: Agência Marinha de Notícias
Acesse: https://www.agencia.marinha.mil.br/

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