Por Marcio Pinheiro de Vasconcellos
Aqueles que pretendem estudar acerca da vida do Almirante Benjamin de Almeida Sodré, no mínimo, serão envolvidos pela vastidão de ações concretas realizadas, pautadas pelos rígidos valores morais e éticos interiorizados em sua alma, e que merecem ser postos à vista da humanidade, de forma a contribuir com a perpetuação dos bons exemplos de maneira atemporal.
Nesse sentido, não se pode deixar de mencionar seu papel precípuo nas áreas do Escotismo, Esporte, Militar, Educação e Maçônica, nas quais teve atuações ímpares, deixando um legado eviterno não só para os brasileiros, mas para todo o mundo.
Sua infância e juventude foram alicerçadas pelos nobres exemplos de seu pai, o então General Engenheiro, formado pelo Instituto Militar de Engenharia, Lauro Nina Sodré e Silva, que, além de militar, foi Soberano Grão Mestre da Maçonaria, Deputado da Constituinte em 1891, Senador por quatro vezes, e Governador do Estado do Pará por duas vezes, sendo inúmeras vezes apontado como um padrão de bondade, desprendimento, generosidade e tolerância, qualidades essas que foram, não só integralmente absorvidas por Benjamin Sodré, mas aperfeiçoadas pelo testemunho de sua vida pública e privada. (SCALERCIO, 2017, p.13)
O então membro da Academia Brasileira de Letras, Austregésilo de Atahayde, certa vez escreveu: “Foi principalmente um educador, pela palavra e pelo exemplo. Ensinava o que era devido fazer, mas primeiro que tudo fazia, com aquele devotamento simples a quanto empreendia com tanta naturalidade que nem dava para se notar como um homem excepcional…” (SODRÉ, 1989, p.11)
Nasceu em Mecejana (CE), no dia 10 de abril de 1892, e sua mãe era Teodora de Almeida Sodré.
Dizia-se ateu, todavia, reiteradas vezes fez questão de meditar no interior da Igreja da Candelária, quando podia se recolher e buscar um repouso de espírito. Buscava pensar e praticar o bem em todas as situações e prestigiava a Igreja em todos os sentidos. Foi, por 40 anos ininterruptos, sineiro da Igrejinha da Boa Viagem em Niterói. Dizia-se feliz por sua família e agradecia a Deus por essa dádiva.
Seu grande alicerce e porto seguro foi a esposa (e prima) Alzira Sodré, que o acompanhou ao longo de seus 60 anos de vida matrimonial, tendo gerado sete filhos.
Como militar, teve atuações marcantes ao longo de toda a carreira. Em 1910, ingressou na Escola Naval, sendo o primeiro colocado em um concurso reconhecidamente disputado no território nacional.
Na própria Escola Naval, serviu por duas vezes e foi o fundador da Sociedade Acadêmica Phoenix Naval (SAPN), em 1912, quando Aspirante do 3º Ano. O objetivo principal era a congregação dos Aspirantes das diversas turmas, evidenciando seu perfil conciliador, além da criação de uma biblioteca, evidenciando assim seu perfil educador.
Dentre as diversas comissões que teve, pode-se citar a Imediatice da Flotilha do Amazonas, o Comando do Contra Torpedeiro Maranhão, a Diretoria de Portos e Pesca, o Comando da Escola de Aprendizes do Pará, a Direção do Armamento da Marinha (no Boqueirão), os Comandos do CT Piauhy, do Navio Tanque Marajó, da Corveta Jaceguai e do Navio Escola Almirante Saldanha, a Presidência da Comissão Nacional Brasileira em Washington, a Vice-Diretoria de Hidrografia e Navegação, o Comando do Quinto Distrito Naval, a Chefia do Departamento de Estudos da Escola Superior de Guerra, o Comando do Primeiro Distrito Naval, o Ministério do Supremo Tribunal Militar e, por fim, a Vice-Chefia do Estado Maior da Armada.
Sem dúvida, viveu um momento conturbado na política brasileira, tendo participado do Comando de um destacamento durante a Revolta Paulista de 1924, ainda como Capitão Tenente, ocasião em que foi reconhecido como um líder preocupado e atento aos seus subordinados, sendo mencionado em uma carta do seu sempre soldado G.G. Martins, que esteve com ele nos confrontos ocorridos.(SODRÉ, 1989, p.52)
Não cansava de afirmar que a política brasileira vivia um período de aniquilamento moral.
Viveu o período do movimento político-militar do Tenentismo, e uma série de rebeliões, ocorrida no limiar da década de vinte, de jovens oficiais subalternos e intermediários do Exército Brasileiro, insatisfeitos com a desordem política brasileira em que se encontrava o país. Nesse sentido, os movimentos que marcaram a época foram a Revolta dos 18 do Forte (em Copacabana), no ano de 1922, a Revolta Paulista, em 1924, a Comuna de Manaus, em 1924 e, finalmente, a Coluna Prestes, ocorrida entre 1925 e 1927. (SKIDMORE,1998)
Para Benjamin Sodré, haja vista seu espírito conciliador e mediador, toda revolução era catastrófica. Ele via ainda, nos movimentos, uma desconstrução da disciplina e da democracia. O Almirante viveu intensamente acreditando que não só o Brasil, mas as Forças Armadas precisavam estar unidas de forma monolítica.
Em 1929, quando Júlio Prestes era o favorito para a Presidência, Getúlio Vargas, da Aliança Liberal, governador do Rio Grande do Sul, ao lado de João Pessoa, era parte da oposição para a campanha presidencial, e já se havia em mente a ocorrência de um golpe no caso da vitória de Prestes.
Após sucessivos acontecimentos, Getúlio Vargas dá o golpe de Estado, em 1930, deixando o Presidente Washington Luís de exercer a liderança política brasileira.
Benjamin Sodré revoltou-se com a situação, visto que sua posição era sempre de seguir pela estrita legalidade, e “se uma lei é derrubada, isso equivale a um atentado”. (SODRÉ, 1989, p.92)
Em 1934, como Comandante da Escola de Aprendizes do Pará, indispôs-se com o então Interventor do Estado, Major Magalhães Barata, em virtude de suas infundadas e sequenciais atitudes de violência, as quais Benjamin Sodré era contra, e o que o levou a uma injusta exoneração do cargo. (SODRÉ, 1989, p.143)
Em 1950, novamente o Brasil, com Getúlio Vargas, encontrava-se em uma grande instabilidade política. O Presidente abandonou de vez a política econômica liberal, que vigorava mesmo que parcialmente no Governo de Gaspar Dutra, aparentando, assim, ter optado pela industrialização do Brasil, a fim de conseguir superar o problema no balanço de pagamentos, herança deixada pelo seu antecessor.
Nessa ocasião, quando da cerimônia de inauguração da Escola de Aprendizes do Pará, Benjamin Sodré fez um discurso ousado e crítico, aludindo à data da deposição de Getúlio Vargas em 1945, o que foi claramente percebido pelos presentes, que o vieram cumprimentar pela coragem moral apresentada.
Aliás, essa qualidade nunca lhe faltou. Quando o sucessor de Getúlio Vargas, o então Presidente Café Filho, estava em seu mandato (1951-1954), o Almirante Benjamin Sodré, em uma audiência privada, apresentou-lhe um projeto contra o CVVM (Código de Vencimentos e Vantagens Militares), o qual já havia sido apresentado ao Almirantado, quando de sua posse. O projeto reiterava a necessidade de se rever os vencimentos militares, reduzindo-os, o que “geraria um justo equilíbrio nos vencimentos do funcionalismo brasileiro, ou seja, ele apenas queria ser digno, evitando assim, uma desenfreada corrida por aumentos salariais”, o que poderia fulminar de vez o país. Claro que essa proposta era mal vista por uma ala conservadora e, digamos, não tão altruísta como ele. (SODRÉ, 1989, p.128)
Muitas foram as conferências proferidas na Escola Superior de Guerra, onde serviu como Delegado da Marinha (Assistente), em 1951, e pôde expor seus pensamentos, de caráter cívico e patriota, voltados para a convergência da Força e do Brasil e denotando sempre a preocupação com o bem comum. Dentre as mais importantes estão: Organização e Características das Forças Nacionais (1ª conferência), A Marinha na Nossa História, Aspirações e Interesses Nacionais e Educação e a Segurança Nacional.
Como educador, realçado papel exerceu frente à CNEC (Campanha Nacional de Escolas da Comunidade), e que, a partir de 1968, envolveu-o em um trabalho que só terminou quando de sua morte, em 1982. Para Benjamin Sodré, “a Campanha representava a maior obra realizada no Brasil, desde a sua origem” (SODRÉ, 1989, p.194). Trata-se de uma rede de ensino brasileira, criada em Recife pelo educador Felipe Thiago Gomes, em 1943, e que mantém, aproximadamente, mais de 260 escolas de Educação Básica, além de inúmeras instituições de Ensino Superior em todo o Brasil, atendendo mais de cem mil alunos. A CNEC continua sendo até hoje uma grande obra no Brasil.
No ano de 1973, em Brasília, foi fundada a sede nacional da CNEC, tendo sido eleito para a Presidência Benjamin Sodré, e cujo nome dado foi “Casa Benjamin Sodré”.
Como membro da Maçonaria, reingressou na Ordem, em 1950, por insistência especial do político e amigo Espiridião Amin, e para manter a tradição do pai, Lauro Sodré.
Com seu perfil conciliador e moderador, buscou com todas as forças aproximar a Igreja e a Maçonaria, por meio do então Cardeal do Rio de Janeiro, D. Jayme Câmara. Como Grão-Mestre do Grande Oriente do Brasil, buscou, também, mas sem sucesso, estimular um espírito de solidariedade, extirpando as divergências internas da Ordem àquela época. Com o ambiente interno esfacelado por essas questões, Benjamin Sodré resolve, em ato de total coerência e desprendimento, afastar-se do importante cargo, como uma forma de repudiar a resistência sabotadora de uma maioria inconsequente maçônica, que não estava preocupada com o objetivo fim da Instituição. (SODRÉ, 1989, p.136)
Foi um grande e leal esportista, que, influenciado por seu irmão Emmanuel Sodré, então fundador do Botafogo Futebol Clube, em 1910, fundou também o Carioca Futebol Clube. Mimi Sodré, como era conhecido, jogou no Botafogo entre 1910 e 1920, chegou a marcar 500 gols, tendo sido artilheiro, em 1912, e também na Seleção Brasileira. Qualquer pessoa que passe pela Avenida Venceslau Brás – Rio de Janeiro, em Botafogo, poderá ver um enorme muro branco, onde há pintado o perfil de grandes nomes do Clube, e, por questão de justiça, lá está Mimi Sodré, logo o segundo da lista dos mais famosos. Cabe ressaltar que o estádio de General Severiano, sede do Botafogo, foi inaugurado em 1913, durante uma partida do campeonato carioca, entre Botafogo e Flamengo, tendo o time alvinegro vencido por um a zero, gol de Mimi Sodré. Além disso, foi o Presidente do clube no ano de 1941.
Já como Almirante, participou de 4 regatas à vela pela Escola Naval, juntamente ao seu filho e seu neto, mostrando, assim, seu vigor físico e seu espírito esportista, que continuam sendo um exemplo para jovens de todas as idades (até os de 100 anos). Seu exemplo foi tão marcante que sua filha, a socióloga Dora Sodré, com seus quase 90 anos, nada 4 vezes por semana e compete pelo Flamengo, com uma invejável performance.
É inegável a presença de sua liderança desde os tempos que esteve junto aos Aspirantes da Escola Naval e até o fim de sua vida em todas as áreas em que atuou.
Nesse sentido, pode-se citar a escolha para ser o patrono da turma que ingressou no Colégio Naval em 1985, e formada pela Escola Naval em 1991. Os membros da turma Almirante Benjamin Sodré se chamam mutuamente de “os Benjamins”, o que é um orgulho para todos eles, inclusive para este autor.
Sempre esteve em sua mente a formação moral dos Aspirantes, ousou inovar no intuito de promover essa ideia. Criou o Compromisso e o Código do Aspirante, mandou escrever, nos corredores da Escola Naval, os lemas para cada ano escolar. Frases basilares que muito motivavam os jovens e futuros Oficiais da Marinha.
É muito desafiador tentar expor, em poucas linhas, uma vastidão de exemplos deixados como um verdadeiro legado pelo Almirante Benjamin Sodré, Mimi Sodré, ou o Velho Lobo, como era conhecido no mundo dos escoteiros.
Muitos são os artigos em jornais e revistas acerca de seu nome, mas merece destacada atenção a homenagem feita pela TV Tupy, em 1959, no programa “Esta é a sua vida”, quando foi entrevistado e reverenciado como um chefe bom e zeloso, de comandado cumpridor dos deveres, de dedicação aos jovens, de esposo e pai digno e honrado…” (SODRÉ, 1989, p. 179).
Ademais, nessa própria emissora, participou também do programa de entrevista “Ídolos de Todos os Tempos”, que grande repercussão por conta de suas palavras de convergência e lealdade.
Sua liderança era de tamanha envergadura que, próximo ao fim de sua vida, acumulava nada menos que 5 Presidências, dedicando igual atenção a todas: CNEC, CNMC (Comissão Nacional de Moral e Civismo), UEB-RJ (União dos Escoteiros do Brasil), Centro Brasileiro de Civismo e do Conselho Deliberativo da Fundação D. Pedro I.
Sem contar inúmeras outras funções que teve ao longo da vida, como, por exemplo: Primeiro Presidente da ADESG (Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra), da qual também foi o seu fundador, em 1951, Presidente da Frente de Renovação Nacional e do Centro da Comunidade Luso-Brasileira.
Como escoteiro, foi a pedra angular no Brasil para o desenvolvimento dos escoteiros do mar, baseado nas ideias do inglês General do Exército inglês, fundador do escotismo, Baden Powell. Deixou seu enorme legado para os jovens brasileiros e escreveu a publicação “O Guia do Escoteiro”, referência inegável que foi e continua sendo utilizada não apenas pelos escoteiros, mas por muitas instituições de ensino.
Padrão (2013) cita que os jovens, desde sua tenra idade, devem ser incentivados, como fez Benjamin Sodré no seu trabalho junto aos escoteiros do mar, a interagirem com atividades motivadoras no sentido de neles criar e aperfeiçoar princípios basilares morais, que os auxiliarão na construção de um país melhor.
Por ocasião da elaboração deste capítulo, este autor tomou conhecimento pelo ex Presidente do Centro Cultural do Movimento Escoteiro (CCME), André Torricelli F. da Rosa, que o ex Comandante da Marinha, Almirante de Esquadra Eduardo Bacelar Leal Ferreira, é o membro mais antigo do 123ºGEMAR Almirante Saldanha, e, quando ainda Tenente, certamente conviveu com o “Velho Lobo”, Benjamin Sodré.
Por fim, dois importantes fatos não poderiam deixar de ser citados.
O primeiro foi o catastrófico naufrágio ocorrido pelo Rebocador Guarany, em 1913, no qual estava a bordo ainda como Guarda-Marinha. O incidente fez deixar a vida oito companheiros (GM) de Benjamin Sodré, que sobreviveu ao lado de: Haroldo Cox, Luiz, Camarão, Helvécio, Vasconcellos, Werneck e Tenente Falcão, salvos apoiados em uma mesma tábua, fugindo dos tubarões que os rondavam.(SCAVARDA, 1967, p.83)
O segundo fato, que na verdade é um conjunto de três prisões que cumpriu ao longo de toda a sua carreira, não por ter sido inverídico com as palavras, mas justamente por honrar a verdade, a justiça, o bom senso e primar pelo bem comum da Marinha e do Brasil, que o levou a ser punido. Essas punições, em vez de denegri-lo, demonstram, claramente, que tinha hombridade, que era um militar dotado de extrema responsabilidade e sabedor de suas obrigações morais perante seus subordinados e concidadãos. Na psicologia, o então pesquisador e professor das Universidades de Chicago e Harvard, especialista em estudos da moral, Lawrence Kohlberg (1927), identificou seis estágios morais. De acordo com o pesquisador, Benjamin Sodré apresentava todas as características do estágio mais evoluído. Neste estágio, o indivíduo pode desobedecer regras inconsistentes a partir de princípios universais que o possam justificar e não tem medo de arcar com as nefastas consequências em prol de viver e dizer a verdade, favorecendo o bem comum.
O eterno Almirante Benjamin Sodré veio a falecer no ano de 1982, de forma serena e tranquila, deixando uma vastidão de bons exemplos na área militar, de escotismo, maçônica, educacional e esportiva.
Deixo este breve relato, com o intuito precípuo de contribuir com a perpetuação de seus ideais, de seus pensamentos e, acima de tudo, de sua coerente forma de viver.
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