A memória afetiva de acompanhar com o pai e os irmãos, ainda na infância e adolescência, o ir e vir dos saveiros atravessando de um lado para o outro as águas do rio Paraguaçu. O testemunho bem de perto, ali mesmo no cais do porto, de todo o desenvolvimento, pessoas, mercadorias e histórias que viu passar inspirou Wandik Vieira a criar um evento que pudesse resgatar não só a memória transportada pelos saveiros, mas também preservar a embarcação a vela e todo seu legado.
“Os 22 saveiros que hoje existem no Recôncavo são remanescentes de uma frota que chegou a quase dois mil barcos há 200 anos. Eles foram por muito tempo principal meio de transporte de cargas e de gente na região. Foi aqui, no Vale do Paraguaçu, que essa memória se fez, com os saveiros atracados. Logo, o Porto de São Félix tem uma história que precisamos rememorar”, ressalta Vieira.
E assim nasceu o Festival de Saveiros do Recôncavo, que chega a sua segunda edição e acontece no município de São Félix entre os dias 24 e 26 de novembro. Quem quiser ter ainda uma experiência mais marcante vai poder embarcar em um dos saveiros e bordejar gratuitamente pelas águas do velho Paraguaçu até a Pedra da Baleia. “A maior inspiração mesmo são os saveiros, com sua tradição, beleza, importância econômica, histórica e cultural. São eles o norte de tudo”, complementa o organizador da festa.por
Wandik Vieira – criador e organizador do festival
“A maior inspiração mesmo são os saveiros, com sua tradição, beleza, importância econômica, histórica e cultural. São eles o norte de tudo”
Logo no primeiro dia, o festival abre a partir das 8h da manhã com o mutirão de limpeza nas margens do Rio Paraguaçu. Na cidade, o público vai poder acompanhar toda a movimentação da chegada dos saveiros às 16h30. À noite, tem show de Tiago Manga, que convida Raimundo Sodré, às 22h. Já no sábado (25), as águas vão dar lugar para os esportes náuticos como jet-ski, canoagem, hobie-cat e lanchas. Também vai ser aberta a exposição de carros antigos, além do plantio de árvores na área verde do cais.
No domingo, por volta das 15h, é dada a largada para o Bordejo pelas Águas do Paraguaçu que vai circundar a Pedra da Baleia e retornar para o cais de São Félix. São esperadas cerca de dez mil pessoas entre turistas e moradores da cidade e municípios vizinhos, como reforça o pesquisador, professor e produtor do festival, Fábio Batista.
“Em decorrência da própria dinâmica econômica da região, o saveiro foi perdendo espaço na paisagem. Por isso o festival tem um papel muito relevante. Primeiro, porque resgata a memória da cultura e também traz para centralidade os mestres saveiristas, reconhecendo o ofício, seus saberes e protagonismo na história da Bahia. Segundo, porque mobiliza toda a cadeia produtiva relacionada à economia criativa, ao turismo e à agricultura familiar”, comenta.por
Fábio Batista – pesquisador, professor e produtor do festival
“Em decorrência da própria dinâmica econômica da região, o saveiro foi perdendo espaço na paisagem. Por isso o festival tem um papel muito relevante”
Festival conta ainda com uma Feira de Artesanato, Economia Criativa e Agricultura Familiar. Crédito: Sora Maia/ CORREIO
Na passagem pela cidade, o turista também não pode deixar de aproveitar para conhecer a fábrica de charutos Dannemann, que se tornou hoje um centro cultural que pode ser visitado no período da manhã ou da tarde, de forma gratuita. Na visita guiada, ele vai entender como funciona a produção dos charutos e vivenciar a história da sua fundação. A fazenda também permite visitas para acompanhar o plantio e a secagem das folhas de tabaco, porém, é necessário fazer um agendamento prévio pelo telefone (75) 9 9119-2363.
O píer Belmiro Peixe e a área verde são mais atrativos, assim como a ponte D. Pedro II, que liga Cachoeira a São Félix, o Paço Municipal e a Gruta de Santa Bárbara. A Igreja Deus Menino, construída no final do século XVIII, e o Museu Casa Hansen Bahia também não podem ficar de fora do roteiro. A moradia do artista plástico alemão, reconhecido pelas suas xilogravuras, fica aberta de segunda a sábado, das 9h às 17h.
“Os saveiros representam o período de apogeu da economia do Recôncavo Baiano e da Baía de Todos-os-Santos. A realização do festival abre a possibilidade de articular no presente a cultura dos saveiros com a dinâmica do turismo náutico, cultural e histórico do lugar”, acrescenta Fábio Batista.
Navegar na história
Para o professor e historiador Ricardo Carvalho, os saveiros contam a história do Recôncavo e da Baía de Todos-os-Santos. “Os saveiros de vela de içar são um acontecimento náutico praticamente exclusivo dessa Baía e do Rio Paraguaçu. Um misto de tecnologia que veio dos portugueses com a experiência que aprendemos com holandeses. Se fala até de algum tipo de influência indiana. É interessante como uma característica tão cosmopolita se transformou em algo tão arraigado, forte e ligado à ancestralidade da matriz náutica da Bahia”, comenta.
Um festival como esse é um resgate mais que necessário, ainda segundo Carvalho. É navegar em cima da história náutica do nosso estado. “Quem sabe, a tecnologia da fabricação, da construção, dos grandes armadores que produziram os saveiros do passado possa ser resgatado também e que a produção de saveiros na Baía de Todos-os-Santos volte a ser uma prática comum? Pode parecer um sonho distante, mas há uma esperança de que não se perca uma tecnologia náutica tão avançada e tão peculiar.”
SOBRE O FESTIVAL
. Como chegar Para quem vai de carro, a distância entre Salvador e São Félix é de 118.8 km, via BR-324 e BR-420. Quem preferir ir de ônibus pela rodoviária, a passagem custa entre R$ 30 a R$ 65.
. Quando O Festival de Saveiros do Recôncavo vai acontecer no próximo final de semana, de 24 a 26 de novembro.
. Mais informações A programação completa está disponível no perfil do Instagram do festival (@festivaldesaveirosoficial).
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