Mentalidade marítima

Poder marítimo e poder naval

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Prof. Italo Pesce

Por possuir as maiores reservas de floresta tropical e água potável do mundo, além de urânio e outros minerais estratégicos (possivelmente incluindo importantes reservas de petróleo, no mar e em terra firme), a Amazônia é citada como a principal vulnerabilidade estratégica do Brasil. Entretanto, a extensão das águas jurisdicionais brasileiras, assim como a dependência do tráfego marítimo e de fontes de energia situadas na plataforma continental ou no exterior, são igualmente críticas para a defesa do país.

Convém lembrar que quase 80% do petróleo que consumimos são extraídos do nosso mar, e que pelo mar (ou sobrevoando o oceano) chegariam as ameaças extracontinentais à nossa segurança – inclusive aquelas dirigidas contra a Amazônia.

Alguns autores já caracterizam o Século XXI como a “Era do Pacífico”, apontando este oceano como o novo centro estratégico do mundo, menosprezando o Atlântico e afirmando que a esfera natural de influência do Brasil não é a África, e sim a América do Sul. Entretanto, a via marítima de acesso do Brasil ao resto do mundo – inclusive aos países do Extremo Oriente – é o Atlântico Sul. Nossa estratégia de integração ativa ao mercado mundial deve dar prioridade ao transporte marítimo e à recuperação da Marinha mercante nacional. Na década passada, porém, nosso país abriu a navios de bandeira estrangeira até mesmo a navegação de cabotagem. Atualmente, a frota mercante de bandeira brasileira está, na prática, reduzida ao transporte de granel e ao apoio à indústria petrolífera “offshore”.

A integração das bacias do Prata, do Amazonas e do Orinoco, por uma grande hidrovia fluvial, e a ligação terrestre (por rodovia e/ou ferrovia) entre nosso país e o litoral do Pacífico são defendidas pelos continentalistas brasileiros.

Ambas seriam extremamente úteis para incrementar o comércio regional e hemisférico, mas suas supostas vantagens como vias de acesso ao Extremo Oriente seriam discutíveis.

Além de criar uma indesejável situação de dependência, em relação a portos situados em outros países, a relação custo-benefício de uma ligação por terra seria provavelmente desvantajosa para o Brasil – tendo em vista as enormes distâncias que separam o litoral sul-americano do Pacífico dos portos do Extremo Oriente, assim como os inconvenientes e custos adicionais do transporte terrestre.

Como o poder marítimo e o poder naval operam sempre em linhas interiores, a distância no mar é muito menos importante do que em terra.

As vantagens de custo (por tonelada e por milha navegada) do transporte marítimo, com relação às demais modalidades de transporte, são bastante conhecidas. Além disso, os portos dos principais países do Extremo Oriente situam-se em longitudes antípodas da costa brasileira. Isto faz da rota do Cabo da Boa Esperança e Oceano Índico, que atravessa o Estreito de Málaca para chegar ao Oceano Pacífico, uma alternativa economicamente viável – uma vez que a distância total é apenas ligeiramente maior.

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A Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar, assinada em 1982, limitou o mar territorial a uma largura de 12 milhas marítimas (22,2km), tendo estabelecido uma zona contígua de 12 milhas e uma Zona Econômica Exclusiva (ZEE) de mais 176 milhas, estendendo-se a uma distância de 200 milhas (370,4km) do litoral. A zona contígua e a ZEE constituem o mar patrimonial, com uma largura de 188 milhas marítimas (348,2km).

A extensão aproximada de nosso litoral é de 4 mil milhas marítimas (7.408km), e a superfície total das águas sob jurisdição brasileira é de aproximadamente 2,7 milhões de km2 (32% da superfície terrestre do país). O Brasil também detém direitos sobre os recursos da plataforma continental, a distâncias de até 350 milhas marítimas (648,2km) da costa. Sob a ótica militar, o Atlântico Sul é o nosso teatro de operações marítimo.

O peso estratégico do Brasil no Atlântico Sul é igual ou superior ao da Índia no Oceano Índico. Só que este país – ao contrário do nosso – é uma potência nuclear e investe parcelas bem maiores do Produto Interno Bruto (PIB) em sua defesa. No Século XXI, o componente militar de nossa defesa nacional, constituído pelas Forças Armadas, deverá estar capacitado não só a dissuadir possíveis ameaças ao país e defender o território, o espaço aéreo, as águas territoriais e o mar patrimonial, mas também a projetar o poder e a influência do Brasil no exterior, mesmo em tempo de paz.

Como cerca de 80% da superfície de nosso planeta são cobertos pelas águas, as forças navais desfrutam de amplo espaço de manobra, o que lhes concede inúmeras vantagens – como a capacidade de criar “atrito virtual”, forçando o adversário a dispersar suas forças ou reter parte delas como reserva.

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Frequentemente, as nações fracas e sem mentalidade marítima encaram o mar como uma barreira que dificulta o intercâmbio e o comércio, ou como uma via por onde chegam ameaças externas. Na verdade, além de ser uma fonte de recursos cuja importância é cada vez maior, os oceanos formam uma gigantesca estrada líquida, utilizável tanto na paz quanto na guerra.

A maioria da humanidade vive em regiões relativamente próximas do mar, onde também estão localizados os principais centros de poder. A grande maioria dos países – incluindo todos os de importância significativa e mesmo alguns que não têm litoral (como é o caso do Afeganistão) – pode ser alcançada por via marítima.

Desde o final da Guerra Fria, o poder naval dominante vem operando a partir do mar, a fim de atingir objetivos em terra ou facilitar o acesso de outros elementos do poder militar ao território do país-alvo. Esta vem sendo a tônica das operações navais dos Estados Unidos e de seus principais aliados, desde a Guerra do Golfo de 1991.

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O poder naval é, a um só tempo, o componente militar do poder marítimo e o componente marítimo do poder militar. Do mesmo modo, a estratégia naval é parte da estratégia marítima e também da estratégia militar.

No Brasil, país misto de extensão continental, no qual a maritimidade geralmente é pouco valorizada, a Marinha de Guerra costuma ser vista apenas como integrante das Forças Armadas, que compõem o poder militar da nação. “A guerra marítima compreende ações que se desenvolvem nos mares, no ar sobre os mares e em terras contíguas aos oceanos, visando a efeitos subsequentes ou imediatos nas superfícies oceânicas e consequências futuras, a maior prazo, em terra”, afirmou o vice-almirante João Carlos Gonçalves Caminha.

Frequentemente, elementos não pertencentes ao Poder Militar participam das operações de guerra nos oceanos. Segundo a Escola de Guerra Naval (EGN) brasileira, são os seguintes os elementos do poder marítimo: (1) poder naval, compreendendo as forças navais, aeronavais e de fuzileiros navais, bases e posições estratégicas; (2) Força Aérea baseada em terra, operando sobre o mar; (3) Marinha Mercante; (4) portos e suas instalações; (5) estaleiros de construção e reparos; (6) estabelecimentos e agências comerciais; e (7) pessoal. A Marinha do Brasil é uma força naval de porte médio, apta a representar os interesses do país no exterior, em ações de presença naval em tempo de paz.

Com alguns acréscimos, esta força pode transformar-se no protótipo de uma verdadeira Marinha oceânica, capaz de operar por períodos relativamente prolongados em áreas marítimas distantes do litoral brasileiro. Para isso, porém, não basta o aumento da quantidade de meios de combate. É necessário o incremento da capacidade de apoio logístico móvel das forças navais brasileiras. A fim de viabilizar a expansão do poder naval brasileiro, há necessidade de recursos financeiros, para obtenção de meios e ampliação da infraestrutura de apoio – inclusive bases e arsenais.

Em especial, a reativação da indústria nacional de construção naval com fins militares – por meio de um Programa Naval de emergência para o reaparelhamento da Marinha do Brasil – poderia, sem perder de vista o objetivo principal, ajudar a reverter a crise que se abateu sobre a indústria naval do país.

A ampliação das atividades marítimas do país traria benefícios para todos os setores da economia. Naturalmente, tais benefícios também se estenderiam ao poder naval, componente militar do poder marítimo. Para reverter a crise, é preciso que os brasileiros se conscientizem de que todos saem perdendo, quando a maritimidade do país não é explorada.

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De fato, os agricultores e os industriais perdem, quando a exportação de produtos agrícolas e industriais não dispõe de portos modernos e eficientes. Os estaleiros e as empresas de navegação perdem, quando nossos produtos são transportados por navios de bandeira estrangeira. As seguradoras perdem, quando as cargas são seguradas no exterior.

Como é óbvio, os trabalhadores também perdem. As ações, porém, deverão ser paulatinas – pois qualquer atitude precipitada teria consequências desagradáveis, podendo mesmo resultar em retaliações contra o Brasil. Além disso, nossa economia provavelmente não teria capacidade para assumir todos os encargos adicionais ao mesmo tempo.

De qualquer modo, se uma parte significativa de nossas exportações fosse segurada e transportada por nossa bandeira, os diversos setores envolvidos seriam amplamente beneficiados. Com isso, seriam gerados milhares de novos empregos – o que, sem dúvida, traria muitos votos para os políticos que apoiassem as reivindicações de tais setores.

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Eduardo Italo Pesce Professor, autor do livro De costas para o Brasil: A Marinha oceânica do Século XXI, membro do Instituto de Defesa Nacional (Iden) e do Centro Brasileiro de Estudos Estratégicos (Cebres), especialista em Relações Internacionais.

Referências:

  1. Monitor Mercantil – Opinião 3 de set 2002
  2. http://ambipetro.com.br/as-riquezas-do-fundo-do-mar-a-nova-fronteira-da-mineracao/
  3. Marinha do Brasil – Submarino Riachuelo S40, Domínio público
  4. https://pt.wikipedia.org/wiki/For%C3%A7a_de_Submarinos>
  5. https://marsemfim.com.br/pesca-do-atum-no-brasil/
  6. https://www.monografias.com/pt/trabalhos3/transporte-maritimo-carga-protecao-bandeira/transporte-maritimo-carga-protecao-bandeira2.shtml
  7. https://www.monografias.com/pt/trabalhos3/transporte-maritimo-carga-protecao-bandeira/transporte-maritimo-carga-protecao-bandeira2.shtml