Carioca e velejador desde pequeno, José Augusto, mais conhecido como Guruga, iniciou sua trajetória esportiva com 14 anos. Possui um currículo de destaque na vela que inclui campeonatos regionais, nacionais, mundiais e participação nos Jogos olímpicos de Seoul e Barcelona. Foi aluno, professor e diretor da Escola de Desportos Náuticos do Iate Clube do Rio de Janeiro e técnico de vela de várias equipes olímpicas. Também se dedica a trabalhos sociais por meio do Instituto Rumo ao Mar há 10 anos, com a finalidade de desenvolver a mentalidade marítima.
É certificado em: Capitão Amador, Master of Yacht 200 TON LIMITED – International Yacht Training, Mergulhador de resgate – PADI e Gestor esportivo – COB/CAGE 2013/14.
- Como e quando nasceu a paixão pelo mar e o interesse pela vela?
R: Eu dividiria o interesse pela vela, pois tem a questão da competição, que gosto muito e acho que é o primeiro atrativo, além do ambiente náutico, o qual é muito saudável. Eu tive uma iniciação por causa do meu pai que sempre gostou de barco à vela. Assim, eu e meu irmão mais velho herdamos essa característica de competitividade. Eu comecei com quatorze anos e lembro da minha primeira regata até hoje e, a partir daí, isso engrenou de uma maneira que foi até 2015, eu diria. De 1974 a 2015 é um grande período e no meio desse tempo você tem uma porção de coisas como educação, casamento, três ciclos olímpicos etc. Enfim, o interesse nasceu com o meu pai e por isso acho importante que a iniciação náutica venha muito cedo para que a criança guarde essa atividade no coração.
- Guruga, o que pensa da prática náutica na formação de um indivíduo?
R: Entendo que qualquer prática esportiva é muito importante na formação do indivíduo porque dentro do esporte você tem regras, limites, ou seja, ela é um complemento à educação familiar da pessoa, principalmente se for desde criança quando se é mais maleável, desprovida dos vícios comuns dos mais velhos.
- Como velejador profissional, o senhor representou o Brasil nas Olimpíadas de Seoul e Barcelona. Como foi essa experiência? Além da participação nessas Olimpíadas, o senhor participou de outras competições internacionais?
R: Eu diria que o ciclo olímpico começa quando você passa a utilizar equipamentos olímpicos que no meu caso aconteceu em 1978. O equipamento era tão bom que é utilizado até hoje nas olimpíadas. A minha primeira competição internacional foi quando eu tinha dezoito anos na Argentina e a minha primeira experiência pré-olímpica foi velejar na de Los Angeles em 1981 e depois a gente veio a disputar a eliminatória, mas, infelizmente, a gente não conseguiu se classificar para as Olimpíadas de Los Angeles.
- O senhor foi técnico da seleção olímpica de vela. Conte-nos sobre esta experiência e por quanto tempo esteve à frente deste cargo.
R: Quando eu fiz Barcelona, no ciclo seguinte que foi Atlanta, a confederação me chamou para fazer uma pesquisa com o intuito de desenvolver um projeto e montar um trabalho no local da competição. Eu fiz, apresentei e atendi o requisito necessário, embora não tivesse muita experiência nessa área. Mas eu não cheguei a ser técnico da confederação; eu fui técnico de uma das equipes que me contratou, em particular, e que eu consegui classificá-los. Essa foi a primeira experiência de sucesso que eu tive. Eu também formei um grande velejador internacional e depois eu peguei outros alunos e fomos para Europa na preparação para as Olimpíadas do Rio de Janeiro, mas, infelizmente, nossos atletas não tiveram sucesso. Eles agora estão trabalhando no ciclo das Olimpíadas do Japão.
- O que mudou na sua vida após a sua passagem como técnico olímpico?
R: Uma coisa que mudou na minha vida é que eu sempre gostei de ensinar. Então, não foi o fato de ter sido um atleta ou um técnico que mudou. Na verdade, foi sempre esse viés de ensinar as pessoas que perdura até hoje, ensinando as pessoas a velejarem, o que me dá muito prazer. O meu propósito hoje é o desenvolvimento da mentalidade marítima, não necessariamente ensinar a velejar, mas conscientizar as pessoas da importância do mar para a vida de todos nós brasileiros.
- Falando em olimpíadas, qual sua impressão sobre o evento realizado aqui no Rio de Janeiro em 2016?
R: Eu vou separar o evento de vela do evento olímpico. Acho que as regatas que aconteceram no Rio de Janeiro foram muito boas, os competidores ficaram muito satisfeitos, houve uma grande variação de raia e de condições de vento o que é muito legal. Na Olímpiada de Barcelona, que participei, não tinha nenhuma variação, então quem era bom naquela raia estava muito bem. Hoje em dia existe uma preocupação em criar diferentes situações. Nesse sentido, o Rio de Janeiro foi fantástico em eventos de vela. Agora, falando em termos de olimpíadas, vou entrar um pouco na política. Creio que não foi o momento certo do Brasil receber uma olimpíada, evento que gera muitas oportunidades, mas o brasileiro, infelizmente, não tem ainda condições para realizar um evento desse porte.
- Qual foi sua maior conquista como velejador?
R: A maior conquista é a melhor posição que você obtém na maior competição que tenha participado; pensando dessa maneira, a maior conquista foi nas Olimpíadas de Seul, onde conseguimos ficar em quinto lugar. Outra grande conquista aconteceu entre 2009 e 2011 quando montamos uma equipe de vela… a gente tinha uma equipe, tinha um barco e tinha patrocínio. Esse projeto poderia se repetir no futuro, pois foi uma grande realização na minha vida.
Equipe de Vela Olímpica nos Jogos de Seul 88’🇰🇷 da esquerda pra direita (sem contar os coreanos):
Jorge Zarif – Finn; Oscar Weckerle (barqueiro); Rique Wanderley e Bernardo (Baby) Arndt – 470 Masc.; José Paulo Barcellos- Soling; George (Meu Garoto) Rebelo – Windsurf; Lars Grael – Tornado; Torben Grael – Star; Clinio Freitas- Tornado; Nelson Falcão – Star; Cinthia Knoth – 470 Fem.; Cristoph Bergmann (proeiro Soling reserva); José Augusto (Guruga) Barcellos – Soling; Márcia Pellicano – 470 Feminino.
- Que legado as Olimpíadas do Rio deixaram para a prática de esportes de vela?
R: Eu fico muito triste em não poder enumerar o legado que as Olimpíadas poderiam ter deixado, principalmente a limpeza da Baía de Guanabara que não foi feita adequadamente. Tivemos também o PDBG, o Plano de Despoluição da Baía de Guanabara, de quarenta anos atrás, no qual os japoneses injetaram um milhão de dólares. Naquela época, foram construídas quatro estações de tratamento e apenas uma delas foi ligada nas olimpíadas! Até o momento, as outras três permanecem desligadas, ou seja, nem um evento da importância que tem uma olimpíada foi suficiente para despertar as autoridades quanto à questão da poluição da nossa baía. Espero um dia poder dizer que suas águas estejam despoluídas, estando, desse modo, a Baía de Guanabara realmente pronta para receber eventos náuticos com qualidade.
- Passando para um lado mais pessoal, quando fundou a Luderitz Sailing?
R: Ela passou a existir em 2015, embora tivesse sempre na minha cabeça, usando barcos de terceiros para poder concretizar um projeto que hoje desenvolvo junto com Instituto Rumo ao Mar (RUMAR). É uma empresa que apoia o projeto do RUMAR no que tange o desenvolvimento da mentalidade marítima.
- Quais atividades ela promove e qual sua relação com o instituto Rumo ao Mar (RUMAR)?
R: Em 2003, o Cristiano Rocha Miranda me procurou para ajudar a desenvolver uma ideia que tinha como base o projeto Rumo ao Mar, que tem como sua principal função desenvolver e difundir a mentalidade marítima. Eu comprei o “barulho” junto com ele e estamos trabalhando para que ela seja uma grande ferramenta para o desenvolvimento dessa mentalidade. Há muitas ideias e pretendo ajudar a desenvolvê-las. Hoje, no instituto, eu sou a pessoa responsável pelos “Caminhos do Mar”, fazendo treinamento náutico, dando aulas de vela e, particularmente, tem os passeios turísticos pelo litoral do Rio de Janeiro.
- O senhor tem um barco batizado de Samaron. Por que esse nome?
R: Eu tenho uma conhecida que tinha um restaurante e um dia fui fazer uma entrega no restaurante dela, pois também trabalho no ramo de alimentos e bebidas, e fomos conversando, quando contei do meu projeto. Então ela falou que se eu quisesse que meu projeto acontecesse, eu tinha que pedir para o santo São Maron. Indaguei a ela se eu pedisse para o santo, ele me ajudaria. Então ela disse que sim, desde que eu fizesse uma promessa que teria que ser cumprida após a ajuda do santo. Então, a minha promessa era colocar o nome do santo no barco, por isso Samaron, uma forma carinhosa de homenageá-lo pela motivação e força de correr atrás do meu sonho e conquistá-lo.
- Quais atividades são desenvolvidas nessa embarcação?
R: Dentre elas, os passeios turísticos são os que me dão mais rendimentos. Faço passeios de três horas e de cinco horas, todos os dias da semana. Já fiz ensaios fotográficos como despedidas de solteiro(a), já fiz acompanhamento de remada de canoas pelo litoral do Rio, além, claro, de aulas de vela e a atividade do desenvolvimento da mentalidade onde, através do instituto RUMAR, eu emito a declaração náutica, que é o documento necessário para que as pessoas sejam certificadas pelas aulas de arrais amador.
- Quando adquiriu o Samaron, o barco estava em condições bastante precárias. Como foi o processo de recuperação e preparação do barco para cumprir com sua finalidade?
R: Foi um ano muito duro na minha vida, de março de 2018 até agosto de 2019, entre a compra e o início dos trabalhos com o veleiro. Eu diria que tive aí uma temporada muito dura. Eu não posso deixar de agradecer à minha mulher e aos meus três filhos que me ajudaram tanto na parte motivacional, mas também fisicamente, pois todo mundo trabalhou muito no barco. Eu não tinha capacidade e tempo de desenvolver tudo e aí, é claro, que houve uma contratação, houve empenho financeiro e ajuda de muitas pessoas e, durante o processo, muitas pessoas entenderam a minha ideia e apoiaram o meu projeto. Então, eu tenho que agradecer muito aos amigos que se empenharam financeiramente comigo, aos benfeitores do meu financiamento coletivo e à minha família que me apoiou e me deixou entrar numa ciranda financeira de pedir dinheiro emprestado. Graças a Deus o barco foi terminado e tem retorno financeiro, sendo possível fazer o aporte para todas as pessoas e meus compromissos financeiros.
- O quanto a poluição da Baía de Guanabara afeta as provas de vela?
R: Eu velejo na Baía de Guanabara há uns cinquenta anos e posso dizer que ela tem uma capacidade de sobreviver fora do normal. Nesses anos, eu já vi a Guanabara muito pior do que está hoje quando os navios ancoravam dentro da baía e lavavam seus tanques, o que era um crime que se fazia com o nosso patrimônio e que cessou ao longo dos tempos. Tenho uma percepção de que o lixo de superfície vem diminuindo, mas, mesmo assim, tem muita poluição de materiais sólidos e metais pesados, que não tem como quantificar, assim como uma presença muito forte de micro plástico, mas eu acredito na capacidade de recuperação da baía. Já ouvi de vários biólogos que, se parassem de jogar dejetos de todos os tipos, a baía se recuperaria rapidamente e, em dez anos se parássemos realmente, ela recuperaria todo o vigor que já teve e que eu já vi na Baía de Guanabara.
- O senhor vê alguma possibilidade de melhora ou até mesmo a reversão desse quadro?
R: Essa é uma pergunta capciosa, pois vai depender muito mais do ser humano, que precisa de limites. A gente depende de bons políticos e de vontade política para que o processo aconteça. O governo do estado, que está acima da municipalidade, deveria se ocupar por meio de uma instituição, que é a CEDAE, para recuperar esse patrimônio natural do Rio de Janeiro. Fico triste, pois penso que já há muitos anos esse processo de despoluição poderia ter acontecido com diversas oportunidades como o PDBG (ver resposta 8) e as Olimpíadas do Rio. Agora, eu vejo como uma missão do Instituto Rumar motivar as pessoas para a recuperação da baía.
- Como a pandemia do coronavírus afetou a vida de quem vive do mar e do turismo náutico especificamente?
R: Realmente ela atrapalhou bastante, principalmente entre março e julho de 2020. Só em agosto foi que a coisa começou a clarear um pouquinho. Depois desse período, as pessoas começaram a entender que a situação iria perdurar por muito tempo. Então, você sempre vai buscando paliativos. Eu sempre gosto de lembrar às pessoas que andam de barco comigo que o passeio turístico é uma ótima solução para um momento de estresse porque você está em ambiente ventilado, com número de pessoas reduzido e tem todos os cuidados necessários para você poder fazer uma atividade náutica. Eu sempre lembro que o passeio de barco no Samaron é uma solução ideal para esse momento de pandemia. Eu venho colhendo alguns frutos, claro que está longe do ideal. É uma situação que o mundo está passando e que todo mundo está aprendendo a conviver com essa realidade. Não é um passeio no parque.
- Quais são seus planos para o futuro?
R: Realmente, estou muito satisfeito com o futuro. Por que estou muito satisfeito com o futuro? Porque eu descobri aos meus 62 anos a atividade que me realiza; tenho energia e pretendo manter as energias para desenvolver a Luderitz Sailing que tem algumas subdivisões na frente dentro do turismo náutico que é muito forte. É no turismo náutico que faço algumas divisões de mais vivência a bordo, um turismo rápido que é o turismo de passeio, que hoje é meu carro chefe, e também conciliar com uma atividade que eu faço hoje que é de alimentos e bebidas. Assim, você pode sair e fazer um almoço ou um jantar a bordo que é uma coisa que eu também gostaria de desenvolver. Fora isso, eu gosto de correr regatas, então eu acho que tem esse braço aí da escola de vela para desenvolver um barco com os alunos para correr regata. Quem sabe não conseguimos um patrocínio para montar uma equipe do mesmo quilate como a que já tive um dia. Bom, uma outra coisa que me motiva muito é o trabalho que eu faço com o Instituto Rumo ao Mar e um dos sonhos que a Luderitz tem é de abrir um centro de instrução do Instituto em alguma base que venha a acontecer.
- Gostaria de fazer alguma consideração final?
R: Eu queria dizer uma coisa que me entristece muito: muitas vezes, estou velejando no final da tarde, ao pôr do sol, o céu começando a ficar estrelado em cima do mastro do Samaron e eu olho o horizonte e não vejo ninguém, e isso me deixa muito triste e aí você me pergunta por que tem tão pouca gente velejando no melhor horário do dia que é o final da tarde, porque o sol não tá forte e o vento ainda sopra, só que mais suave? O que falta? Falta as pessoas acordarem para a beleza que a gente tem ao nosso alcance e que não é caro. Muitas vezes eu ouço que a atividade náutica é exclusiva para pessoas com muito poder aquisitivo. Isso já está no imaginário inconsciente das pessoas. Eu sempre pego esse imaginário e tento mudar ele um pouco, trazer para a realidade e dizer: o problema não é a atividade náutica, acontece que hoje, no Brasil, você tem pouco acesso ao mar. Então, o esporte à vela, a prática da náutica em geral não é bem desenvolvida porque o acesso ao mar é elitizado. Eu espero que, no futuro, o país venha a nos ajudar no sentido de melhorar o acesso ao mar. Posso citar como exemplo essa nova lei dos portos que está sendo desenvolvida pelo governo federal. Quem sabe, junto a cada porto novo que vai abrir não nasce um centro de instrução, não nascem novos clubes acessíveis, uma marina pública? O que você precisa hoje é aumentar o número de marinas, assim aumenta-se a oferta de mão de obra, começa a gerar um mercado consumidor e, por conseguinte, passa a desenvolver a indústria náutica. Então, você baixa o custo e como tudo na vida, com mais oferta mais barato fica, ou seja, todo mundo fica mais satisfeito, todo mundo ganha mais dinheiro. Então, voltando ao início da minha fala, é muito triste você estar velejando na Baía de Guanabara sozinho porque, por outro lado, quem tem barco e não anda nesse horário está perdendo uma beleza de cidade que a gente vive. Isso é uma outra coisa que eu sempre falo para as pessoas que o Rio de Janeiro é uma perfeição de lugar para o desenvolvimento da mentalidade marítima. A gente tem um clima agradável, a gente tem uma água muito boa, a gente tem vento; a gente tem todas as condições para tornar isso aqui um polo náutico de primeira grandeza a nível mundial.
Jornalista responsável: Flavio Porto começou como jornalista trabalhando no primeiro provedor de internet do Rio de Janeiro, o Inside Information Systens (IIS) nas funções de webmaster, editor e redator da página principal e do seu site sobre jogos eletrônicos, o “jogos.com.br”, além de trabalhar como colaborador na revista mensal “Mundo dos Jogos”. Após aprovação em concurso, passou a integrar a revista do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro como jornalista e repórter fotográfico. Depois, atuou por alguns anos como chefe do antigo Serviço de Comunicação e Identidade Visual do mesmo Tribunal. Também fez uma exposição literária-fotográfica no Museu da Justiça do TJRJ durante esse período. Atualmente, escreve para o Rumar.org.br, voluntariamente.
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