Por Gabriel Pierin
Décio Dias de Lima nasceu em Santos dia 22 de abril de 1956, porém aos 17 dias de
vida já estava na Praia do Rancho, no Sorocotuba, com suas lindas praias de águas
cristalinas. A família passaria a frequentar o paraíso escondido e deserto durante anos.
Foi lá que experimentou, ainda criança, o mundo da caça submarina. Enquanto seu pai,
Ruperto, o “Beco”, mergulhava, o pequeno Décio boiava sobre a câmera de pneu de
carro cheia de ar observando os peixes e a fauna daquele aquário natural. Sua mãe, Olga
Lima, era uma excelente nadadora e fazia longas travessias a nado na ilha. A lagosta
caçada com uma fisga aos seis anos foi seu batismo. Em 1972, na adolescência, viu seu
irmão, Dirceu, vender uma grande quantidade de lagostas capturadas para o Casagrande
Hotel e uma luz acendeu em sua cabeça.
Décio transformou a prática da caça submarina em profissão. Desbravou ilhas e
costados pelo litoral paulista, como Queimada Grande, Alcatrazes e Montão de Trigo
em barcos cada vez maiores. Passava dias dedicados à pesca e virou fornecedor de
grandes restaurantes do Guarujá: Rufino’s, Dalmo, Il Mare, Joca, entre outros. Os
lugares ricos de peixes se revelaram picos de ondas perfeitas em dias que o mar estava
virado. No mergulho e na caça submarina a família fez grandes amigos, como o Elyseu
Andrade e o Bayard Umbuzeiro.
Em 1968, Décio frequentava a barraca de praia Nosso Clube com seu avô, quando o
surfe apareceu na sua vida. Ele viu uma galera passando de prancha e quis uma igual. A
primeira de madeirite era uma prancha simples de compensado até que o tio Orlando
que trabalhava na Sears deu uma prancha de madeirite pintada e envernizada.
Nessa época, Décio conheceu o Cisco e juntos trilharam o caminho do surfe. As idas
para Sorocotuba reveleram o encontro com outra praia ainda deserta e inexplorada: a
Praia do Pernambuco. Décio passou a surfar suas ondas rápidas e tubulares.
Os dois fizeram parte da Homero SurfTeam, um grande salto para surfar em pranchas
melhores e desenvolver novas manobras, enquanto trabalhavam na laminação
aprendendo novas técnicas em materiais inovadores.
As viagens também aconteciam em praias de ondas grandes como a de Itaúna e a Praia
da Vila, em Saquarema. Logo em seguida foram para a Gledson, parceira de Homero. A
marca patrocinou Décio e Cisco e a parceria levou a dupla para campeonatos de nível
nacional. Anos depois veio o patrocínio da Wagon Surfwear.
No ano de 1976 se destacou no Festival Brasileiro de Surf de Ubatuba com a sexta
colocação, quando só figuravam os surfistas do Rio de Janeiro. Naqueles anos 70, Décio
foi elogiado pelos cariocas numa sessão de surfe no Píer de Ipanema, após dropar uma
direita (Back Door).
Décio também viu oportunidades e foi pioneiro na fabricação de parafinas com rótulos
para várias marcas, como a Waxmate e a Sex Wax. As parafinas viraram febre, Décio
faz grandes negócios e ganhou bastante dinheiro. Foi ainda proprietário da My Friend
Surf Shop, na Galeria 5ª Avenida e da Tília no Shopping Balneário.
Porém a onda mais famosa da sua vida aconteceu em Itamambuca no Campeonato
Brasileiro de 1985, no primeiro Sundek Classic, quando escreveu seu nome como um
Big Rider. Uma das maiores ressacas atingiu o litoral brasileiro naqueles dias. Os
organizadores cogitaram suspender o campeonato, mas Décio insistiu para que a bateria
dele fosse realizada. Para ele, são nas ondas grandes que o surfista se destaca, enquanto
nas pequenas todo mundo se iguala.
Décio, Cisco e outros três competidores cariocas disputaram a bateria. Os santistas
atravessaram a difícil arrebentação. As ondas quebravam atrás do costão. Estava longe e
muito grande. Não teve descanso. Era uma sequência atrás da outra, até aparecer a onda.
Cisco gritou para o amigo não entrar. O monstro d’água cresceu sobre Décio, mas ele
sentiu que era o momento e deu o impulso com os braços já cansados.
Décio desceu, se posicionou e a onda grande começou a quebrar. O surfista sumiu no
enorme tubo que se formou. A galera na areia procurava um sinal de vida, quando
Décio saiu ileso do tubo.
O santista foi aplaudido e a onda jamais esquecida. Décio ficou conhecido não pelo
campeonato que deixou de ganhar, mas pela ousadia de encarar a onda gigante.
Paulinho Issa, por indicação do Netinho de Ubatuba – membro da comissão julgadora –
homenageou Décio pela onda surfada com um troféu idêntico ao do campeão brasileiro.
Uma coragem e intimidade que ele ganhou ainda nos seus primeiros dias de vida.
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