
Por Gabriel Pierin @gabriel_pierin
Ele nasceu há 10 mil anos atrás, no Rio de Janeiro. A vida repleta de acontecimentos define o carioca Evandro Mesquita. Filho de um pai descendente de nobres portugueses no Brasil e de uma mãe de origem libanesa, o típico menino do Rio passou a infância e adolescência entre Ipanema e Leblon, reduto da liberdade e da contracultura.
No caminho para a praia ele sempre passava pelo Bar do Veloso (hoje Garota de Ipanema), onde se encontravam Tom Jobim, Vinícius de Moraes, Chico Buarque, Jaguar, Ziraldo, Leila Diniz, entre outros ilustres intelectuais. Guiado por esse ambiente vibrante, ele se lançava ao mar em sua pranchinha de isopor da Planonda. Sua lembrança mais antiga de surfe é a de Arduíno Colassanti, ator ítalo-brasileiro, pegando onda no Arpoador junto ao Mário Bração, Paulette, Tito Rosemberg e outros surfistas pioneiros.
Estudante no Ginásio do André Marois, Evandro acompanhou os efeitos da ditadura de perto. A escola, fundada pela sua mãe, Samira de Mesquita, ao lado das professoras Henriete Amado e Circe, seguia à risca o lema Liberdade com Responsabilidade, um afronto aos ditames da época.
A escola que não tinha porta na sala da direção, ironicamente teve suas portas da frente fechadas pelo governo. Apesar disso ela motivou o livro Uma Experiência Interrompida, além de uma infinidade de alunos, entre eles Evandro e Otávio Pacheco, que não deixavam a escola nem nas férias, imersos em atividades criativas e esportivas ao som de Beatles e Rolling Stones na
vitrola. O colégio, literalmente, era deles.
Inspirado pelo icônico filme Endless Summer e pelas peças de teatro Hair e Hoje é Dia de Rock, Evandro traçou o seu destino. Fez curso de teatro e ingressou no elenco de Hoje é Dia de Rock, junto aos mestres Rubens Correa, Ivan de Albuquerque e Klaus Viana. O trabalho lhe rendia alguns trocados, o suficiente para não pesar em casa, naquela altura já sem o pai – Marcos Porciúncula de Mesquita, falecido em 1970 – a mãe viúva, e suas três irmãs.
Com o violão na mão e o pranchão São Conrado no rack, Evandro e Otávio rodavam em busca de boas ondas e curtição. Nessa época Otávio e Paulo Proença, o Rato, tinham descoberto Saquarema e alugaram uma casa de pescador em Itaúna. As noites na praia eram iluminadas pela fogueira e embaladas pelo som das violas e das músicas que cantavam a vida. Era a cidade dos sonhos. Evandro cantaria essa história na música Saquarema, da banda Blitz, dedicada a ela.
A passagem da juventude ficou marcada nas primeiras tatuagens da galera na Lucky Tattoo. Evandro fez parte da primeira turma que pegou o ônibus até as Bocas do Cais de Santos para tatuar no artista dinamarquês. As pinturas de guerra e os cabelos ao vento identificavam essa tribo carioca.
Quando Otávio e o Rato voltaram do Peru, trouxeram histórias da viagem e a fórmula das parafinas Wax Made na bagagem. Evandro Mesquita, um artista nato, desenhou os rótulos da primeira marca de parafina brasileira, a Magic Wax. A arte era herança de família. O pai desenhava muito bem e a avó era professora de Artes. Evandro cresceu rabiscando e o talento virou negócio. Ele desenharia o cartaz da peça Trate-me Leão, a capa da revista Veja do último verão do Píer de Ipanema e o anúncio da Choque Total, marca de Lipe Dylong, pago com uma prancha de surfe.
Entre 1974 e 1975, Evandro embarcou em um Fusca com os amigos Edinho e Joel até Recife pela recém-construída BR-101. Sem dinheiro, desciam as ladeiras na banguela, paravam nas aldeias de pescadores e subiam nos coqueiros para pegar o fruto precioso. Moraram no paraíso de Arempebe por um mês e outros dois em Mar Grande na Ilha de Itaparica.
De volta ao Rio, prestou vestibular para Educação Física na Gama Filho e conquistou 50% de bolsa jogando futebol pelo time da faculdade. Aliás, os amigos dizem que Evandro jogava bola melhor do que surfava. Ele não desmente. O fato é que Evandro cresceu vendo e jogando com os melhores de sua geração. Fez parte da Seleção Carioca de Futebol de Praia, atuando pelo Real Constant. Sua relação com o futebol virou letra da música Nunca joguei com Pelé: “Joguei com Renato, Ronaldo e Romário, Marreca, Rafa e Jacaré, mas nunca joguei com Pelé”.
Logo depois entrou no grupo teatral Asdrubal Trouxe o Trombone. De criação coletiva e anárquica, Asdrubal foi um contraponto na dramaturgia da época. O grupo, formado com Hamilton Vaz Pereira, Regina Casé, Luiz Fernando Guimarães, Perfeito Fortuna, Patrícia
Travassos, Nina de Pádua e Evandro Mesquita, comprou duas kombis para viajar de norte ao sul do país, ministrando oficinas e apresentando a peça.
Durante os anos que se seguiram, Evandro enveredou de vez para a carreira de ator, atuou em filmes icônicos como Rio Babilônia e Menino do Rio, e participou de séries inesquecíveis como Armação Ilimitada, Malhação, a Grande Família, Os Normais e Tapas & Beijos. O artista também foi roteirista do filme Não quero falar sobre isso agora, que lhe rendeu o cobiçado Kikito de Ouro, um dos mais importantes prêmios do cinema brasileiro. De suas inúmeras novelas de sucesso, Bang-Bang e Top Model se destacam. Essa última a sua melhor representação.
Evandro e Saldanha formavam a sinergia perfeita entre um ator e seu personagem. Não à toa, o intérprete do surfista e dono da barraca de sucos e sanduíches naturais mais descolado da teledramaturgia brasileira, viveu um fato pitoresco. Evandro chegava antes das gravações para surfar as ondas da Macumba, uma das locações da novela. Um dia ele caiu no mar sozinho e acabou se acidentando. A rabeta da prancha bateu na sua testa, abrindo um corte que lhe deixou 23 pontos. Ele ainda conseguiu remar até a praia, onde foi socorrido pelo pessoal da produção.
De intensa atividade artística, foi na Blitz que o cantor Evandro Mesquita revelou o seu talento musical para todo o país. Formada em 1981, com Evandro Mesquita (guitarra e voz); Fernanda Abreu e Marcia Bulcão (backing vocals); Ricardo Barreto (guitarra); Antônio Pedro Fortuna (baixo); William “Billy” Forghieri (teclados); e Lobão (bateria), a banda se tornou um sucesso do rock nacional. As músicas irreverentes ganharam rapidamente as rádios e contagiaram uma geração de fãs na década de 1980. Em atividade até hoje, a Blitz atravessou diversas fases lembrando sempre que estamos a dois passos do paraíso, um lugar ainda a ser descoberto…
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Coordenador de pesquisas históricas do Surfe @diniziozzi – o Pardhal
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