Cultura

RAINHA DOS ANJOS – UM TESOURO NA BAÍA DE GUANABARA

Similar ao Rainha dos Anjos

Por Flavio Porto

Era junho de 1722 quando a nau portuguesa Rainha dos Anjos, fundeada na Baía de Guanabara, Rio de Janeiro, explodiu, levando o navio a naufragar repleto de tesouros vindos da China. Assim começou o mistério que ronda até hoje os que ainda desejam resgatar, ou verem resgatada, a embarcação do fundo lodoso da baía.

Essa embarcação militar representava a importância do Brasil, graças à sua localização geográfica, no precoce inter-relacionamento entre ocidente e oriente, pois o país era escala obrigatória nas viagens entre Portugal e China. Por isso, seu resgate seria de enorme valia histórica também.

O Rainha dos Anjos tinha zarpado de Macau, China, de volta à Europa, em 9 de dezembro de 1721, com escala no Rio de Janeiro para descanso da tripulação e reabastecimento de bens de consumo.

Biblioteca Nacional de Lisboa

Na época, essas longas viagens eram muito perigosas devido à fragilidade dos navios diante da fúria da natureza, assim como, também, devido à pirataria e às disputas comerciais que, muitas vezes, eram resolvidas com os canhões. Esses, que contavam cinquenta, não tiveram como defender a nau de seu trágico destino. Tudo começou com um descuido de um marinheiro que, ao buscar uma peça de porcelana, teria esquecido uma vela acesa no porão, causando o incêndio e sua consequente explosão. Havia no arsenal do navio 80 barris de pólvora e 40 caixas de granadas, segundo a Gazeta de Lisboa, do dia 12 de novembro de 1722.

No século XVIII, o Rio de Janeiro era o principal entreposto do ouro, tendo se tornado um grande mercado consumidor, onde floresceu uma nova elite, independente da agrária. Além de ser esse importante polo comercial, era, como já citado, escala obrigatória dos navios que retornavam à Europa.

Rainha dos Anjos – Mapa do naufrágio

O navio levou para a China, além de presentes para o imperador chinês, uma delegação e um dignitário, em nome do Vaticano, para estabelecer relações diplomáticas com esse país, o que foi realizado com sucesso. Havia também um corpo de artesãos missionários. O destino de retorno da nau era Roma, levando presentes para o Papa, mas o navio também faria uma escala em Portugal, o que levou o imperador chinês a incluir presentes valiosos para o Rei D. João V.

E foi por muito pouco que o tesouro todo não foi salvo. Havia um desejo de se levar tudo de valor a bordo para terra enquanto o navio permanecesse fundeado na baía, mas o emissário do Papa, Carlo Ambrogio Mezzabarba, foi contra e impediu o transporte.

Considerado o acidente mais importante ocorrido em nossa costa, a embarcação trazia a bordo presentes raros e valiosos do imperador da China, Kangxi, ao Papa Clemente XI e ao rei de Portugal, D. João V. A carga continha muitas peças de grande valor como porcelanas, vidros esmaltados (quase inexistentes hoje em dia), ouro em lingotes e diversas joias, além de pertences valorosos de particulares. O “tesouro” tem o valor estimado em torno de 1 bilhão de reais. Tudo a bordo foi perdido, desde os inúmeros presentes ao Papa e ao Rei de Portugal, até a carga comercial que também foi para o fundo. Apenas dois objetos não sucumbiram com a nau: o baú com alguns documentos de Mezzabarba que foi lançado em terra e uma caixa de pérolas, um dos presentes do imperador chinês ao Rei de Portugal.

Era uma tranquila tarde do dia 16 de junho até que o sino de alarme foi ouvido por quase toda cidade. Era o anúncio do incêndio da nau Rainha dos Anjos. Segundo o próprio Mezzabarba, o navio queimou por meia hora até que o fogo atingiu seu arsenal, levando metade da embarcação pelos ares e a outra metade para o fundo da baía.

Muitos em terra ensaiaram um resgate, porém desistiram com medo justamente do seu paiol de munição que causou a grande explosão da embarcação.

Baía da Guanabara por Flavio Porto

Não há registro de mortos na notícia que saiu na Gazeta de Lisboa, mas em um capítulo do livro “Grandes naufrágios portugueses 1194 – 1991”, de José António Rodrigues Pereira, dedicado a esse naufrágio, fala-se de algumas mortes. Enfim, o navio estava ancorado desde maio e no momento da explosão pode ter contado poucas ou nenhuma morte de fato, pois toda ou quase todos os membros da tripulação estavam em terra e o seu capitão se preparava para jantar no Mosteiro de São Bento (que tem vista para a Baía de Guanabara).

Infelizmente é muito difícil reunir informações a respeito da Rainha dos Anjos, pois há pouquíssimos documentos, ou meros fragmentos, espalhados pelo mundo, sendo que é provável que informações teriam sido perdidas durante o terremoto que assolou Lisboa em 1755. Mesmo assim, achados recentes como cartas trocadas entre o Brasil colônia e Portugal contém informações a respeito da contratação de um tal de Jorge Mainary pela coroa portuguesa para resgatar o que fosse possível. E a comprovação de que algo foi salvo está nas notificações da Alfândega do Rio de Janeiro ao senhor Mainary para que este pagasse o valor relativo à carga que foi salva do naufrágio em 1725. Há também cartas da Casa da Índia, órgão responsável pela administração das colônias do reino, mandando cobrar o Sr. Jorge Mainary e outras solicitando duas listas com tudo o que foi retirado do naufrágio. No entanto, nada foi encontrado sobre a localização do navio, a qual continua um mistério até os dias atuais.

Arsenal de Marinha por Flavio Porto

Outras cartas encontradas mencionam que a nau estava ancorada entre a Ilha das Cobras e a Ponta do Calabouço, sendo que este último não pode mais ser observado pois foi aterrado para a construção do Aeroporto Santos Dumont. Mesmo assim, há grandes chances da nau ou parte dela não estar sob áreas aterradas devido à estrutura do seu casco que ficava abaixo da linha d’água ser considerável, levando a crer que a embarcação estava um tanto afastada da costa.

Ilha das Cobras vista do Mosteiro de São Bento por Flavio Porto

Apesar da grande dificuldade em localizar os restos da Rainha dos Anjos, visto que parte de seus objetos devem estar espalhados por conta da explosão, considerando a grande quantidade de lodo e lixo que cobrem o sítio do naufrágio e, também, o fato de ser uma área que sofreu alterações pelas mãos dos homens, a sua localização e resgate poderia dar início a mais explorações do fundo da Baía de Guanabara, o qual está repleto de história. O navio Rainha dos Anjos permanece oculto em nossas águas, aguardando para que, quem sabe, um dia, o mistério seja revelado e a história recuperada por completo.

Agradecimentos: Marinha do Brasil e sua Biblioteca e Biblioteca Nacional de Portugal

Bibliografia:

JAVIER, Gabriela. Rainha dos Anjos: Mistério na Baía de Guanabara. Rio de Janeiro: Publit, 2010.

PEREIRA, José António Rodrigues. Grandes Naufrágios Portugueses – 1194-1991. Lisboa: Esfera dos Livros, 2013.

BIBLIOTECA NACIONAL DE PORTUGAL. Gazeta de Lisboa. Portugal: Lisboa. P. 368, 12 de novembro de 1722.

RIBEIRO, Flávia. Sob a Baía de Guanabara, Repousa um Tesouro de R$ 1 Bilhão. Aventuras na História, 2019. Disponível em: https://aventurasnahistoria.uol.com.br/noticias/reportagem/tesouro-perdido-baia-guanabara-naufragio-historia.phtml . Acessado em 19 de maio de 2021.

Jornalista responsável: Flavio Porto começou como jornalista trabalhando no primeiro provedor de internet do Rio de Janeiro, o Inside Information Systens (IIS) nas funções de webmaster, editor e redator da página principal e do seu site sobre jogos eletrônicos, o “jogos.com.br”, além de trabalhar como colaborador na revista mensal “Mundo dos Jogos”. Após aprovação em concurso, passou a integrar a revista do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro como jornalista e repórter fotográfico. Depois, atuou por alguns anos como chefe do antigo Serviço de Comunicação e Identidade Visual do mesmo Tribunal. Também fez uma exposição literária-fotográfica no Museu da Justiça do TJRJ durante esse período. Atualmente, escreve para o Rumar.org.br, voluntariamente.

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