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CLUBE DOS JANGADEIROS – DA FUNDAÇÃO AO CINQUENTENÁRIO

O bairro da Tristeza, em Porto Alegre, cenário onde se desenvolverá esta breve história do Clube dos Jangadeiros, da fundação ao cinquentenário, tem o início de sua existência situado nos últimos decênios do século XIX. Consta que o bairro era, na sua parte central, propriedade de um senhor, José Silva Guimarães. O nome Tristeza veio desse tristonho senhor, cuja permanente melancolia era resultante do casamento da única filha de apenas doze anos, da qual sentia imensa saudade. O povo, vendo sua constante desolação, passou a chamá-lo Juca Tristeza e, quando o século XIX se despedia, o local já era conhecido por Tristeza e assim permaneceu definitivamente.

A Tristeza daquele tempo era um arrabalde muito procurado pelos porto-alegrenses no verão como local de lazer e férias, quando o acesso às praias do litoral atlântico ainda era muito difícil; tinha cinema, hotéis e vários clubes, entre eles o Yacht Club de Porto Alegre, fundado em 1932, de breve existência. Restos do seu trapiche ainda podem ser vistos próximo ao local onde hoje está a Ilha dos Jangadeiros, à beira do Rio Guaíba, atualmente definido como lago, uma definição que muitos contestam. Continua sendo o Rio Guaíba para o pessoal da vela.

Foi nesse bairro aprazível, lugar de chácaras de veraneio cujos proprietários eram na maioria descendentes de alemães, que Leopoldo Geyer, importante figura do comércio, diretor da Casa Masson e esportista, passou a residir no final da década de 1930.

Pertencendo ao grupo de veleiros avulsos de Porto Alegre, cujos integrantes haviam fundado o clube Veleiros do Sul em 13 de dezembro de 1934 e, também, o Comitê Sul Rio-grandense de Vela, mais tarde transformado em Federação de Vela e Motor do Rio Grande do Sul/FVMRGS, Geyer trouxe para a Tristeza o seu barco Cayru, que fizera construir para a grande Exposição Farroupilha de 1935, evento internacional que celebrou o centenário da revolução dos Farrapos, onde foi exposto em um pavilhão.

Barco Cayru

Foi a bordo desse barco que começou a delinear-se a criação de um clube de vela na Tristeza. Nas palavras do próprio Leopoldo, tudo começou assim: “Era um lindo domingo. Estava na minha boia de amarração do Cayru quando se aproximaram alguns veleiros do extinto Yacht Club. Conhecia alguns, mas quem se dirigiu a mim foi o Alfredo Sternberg: – Que tal se conseguíssemos um localzinho onde pudéssemos formar um clube de vela?”

Com essa frase, a ideia estava lançada. Pouco tempo depois, Leopoldo Geyer soube que estava à venda a chácara de propriedade da sra. Liselotte Wahrlich, na beira do rio, pelo valor de Cento e Vinte Contos de Réis. Foi visitá-la e, quando entrou no terreno em companhia de um amigo, ficou encantado. Imediatamente entrou em contato com o corretor encarregado da venda e oito horas depois estava fechado o negócio. Disse Leopoldo: “comprei a chácara que valia Cento e Vinte por Cem Contos de Réis, sem que o clube tivesse sido fundado”.

Feito isso, se lançou com entusiasmo à tarefa de viabilizar a nova sociedade. Contou desde o início com a firme colaboração de um grupo que ele denominou “organizadores do futuro Clube dos Jangadeiros”, decisivo para os passos seguintes.

A Chácara da Tristeza

A fundação do clube se deu em 7 de dezembro de 1941, contando com cem sócios proprietários, destinado a promover e incrementar o esporte da vela, bem como realizar regatas e cruzeiros e efetuar reuniões de caráter social e recreativo. Estava localizado na Rua Ernesto Paiva, 139. A primeira assembleia geral do novo clube foi realizada com a presença de 32 sócios quotistas com a finalidade principal de eleger uma diretoria provisória; Geyer, por aclamação, foi eleito o primeiro presidente.

Leopoldo Geyer

Em 1942 o clube já tinha 117 sócios proprietários e a arrecadação vinha sendo animadora, possibilitando a realização de obras e benfeitorias, a mais importante delas a construção de um trapiche de concreto, projetado pelos engenheiros Alberto Dubois Aydos e Benjamim Vinholes. Segundo Leopoldo Geyer, foi construído “com todo o rigor da técnica”. A obra foi inaugurada com toda a pompa pelo Prefeito Municipal, Dr. José Loureiro da Silva em 6 de dezembro de 1942, véspera do dia em que o clube completou seu primeiro aniversário.

Inauguração

Tendo sido projetado para uso de pedestres e para o deslocamento de pequenos barcos, o trapiche, vinte e quatro anos mais tarde, suportou a passagem de centenas de caminhões carregados com milhares de pedras, tijolos, cimento, areia, máquinas, asfalto e, enfim, todo o material consumido na construção da Ilha dos Jangadeiros iniciada em 1965, e suas edificações, confirmando o citado “rigor da técnica”.

PRIMEIROS TEMPOS

Em 1945 o Clube dos Jangadeiros já possuía uma flotilha bastante razoável. Eram quarenta e sete barcos, dos quais dez de propriedade do clube, que os colocava à disposição dos associados. Seis eram da classe Sharpie 12m2, introduzida em Porto Alegre em meados da década de 30 pelo Veleiros do Sul, que buscava possuir uma flotilha de barcos padronizados com os quais seria possível a realização de competições em moldes internacionais. Foi um passo muito importante para o iatismo do Rio Grande do Sul. E havia outros; além dos Sharpie, o Jangadeiros possuía um canoe-skiff, o Darke, presenteado pelo Iate Clube do Rio de Janeiro, o Bujuru, barco de salvamento, e ainda três barcos da classe Jangadeiro. Essa era uma classe local, que surgiu por iniciativa de Alberto Dubois Aydos, sócio do clube, morador do bairro e apreciador do esporte da vela. Antes, ele possuíra um barco da classe U que se perdeu na grande enchente que inundou Porto Alegre em 1941. Procurou, então, o estaleiro de Roberto Funk, que lhe mostrou a planta de um barco alemão que parecia ideal para as águas rasas do Guaíba. Tratava-se de uma iole sem cabine, típica do Rio Wieser, desenho de Arthur Tiller, o mesmo projetista do Cayru de Leopoldo Geyer. Alguns meses depois, o barco foi lançado à água, mostrando excelentes qualidades marinheiras e muita resistência. Era o Rajada, o J-1. Em seguida foram construídos mais cinco barcos dessa classe que foi da maior importância na formação de jovens velejadores, os “Filhotes do Jangadeiros”, grupo criado também por Leopoldo Geyer.

Por essa época, o Jangadeiros, embora com poucas tripulações, já participava regularmente das regatas da Federação de Vela e Motor com barcos da classe Sharpie. Muito jovem ainda, Gastão Altmayer integrava uma das tripulações. Anos mais tarde ele viria a ser destacado velejador, conquistando com o proeiro Rogério Christo o título de campeão brasileiro da classe Sharpie nada menos que cinco vezes consecutivamente, tendo ainda brilhante participação na classe Snipe e em regatas de barcos de oceano.

A CRIAÇÃO DO CLUBE DOS FILHOTES DOS JANGADEIROS

Em 1947, deu-se um fato que viria a ser relevante para o futuro do Clube dos Jangadeiros. Numa reunião do Conselho Deliberativo, Leopoldo Geyer, que já não ocupava cargos na diretoria, informou que em 2 de março, um domingo, fora fundado a bordo do Cayru um novo grupo de veleiros – o Clube dos Filhotes dos Jangadeiros – composto, com poucas exceções, por filhos de associados, todos com idade inferior a dezesseis anos, aos quais foi permitido instalar sua sede num terreno por ele adquirido frente ao Jangadeiros, onde já funcionava um estaleiro sob os cuidados de Orlando Borges, carpinteiro e marinheiro. De acordo como os planos de Geyer, seria entregue um barco da classe Pinguim, recém introduzida em Porto Alegre, para cada grupo de dez Filhotes. Nessa mesma reunião, ele solicitou e obteve da Diretoria (liderada pelo comodoro Carlos Fleck) licença para o trânsito desses barcos e o uso do trapiche e do “stand” de juízes em dias de regata.

Em 19 de outubro daquele ano foi oficialmente inaugurada a sede do Clube dos Filhotes, na dependência especialmente construída a mando de Leopoldo Geyer, uma espécie de anexo do estaleiro. O interior da sede era decorado como uma cabine de barco; em lugar de janelas, foram colocadas vigias, com livros e revistas de vela e sete beliches marinheiros.

O Clube dos Filhotes foi adquirindo estrutura própria, com diretoria formada por presidente, secretário e tesoureiro, proporcionando aos jovens velejadores, cujas idades iam dos 11 aos 16 anos, um verdadeiro aprendizado de como manter, dirigir e disciplinar seu grupo, uma espécie de miniatura do clube que os esperava do outro lado da rua.

Sócios Filhotes

Mas nem sempre foi fácil a vida dos Filhotes. A convivência com os sócios do Jangadeiros era meio acidentada e mais de uma vez houve pedidos para que eles não pudessem mais circular pelo clube. Geyer, entretanto, manteve-se firme no apoio aos meninos e o Clube dos Filhotes continuou. Quase trinta anos depois ele afirmava: “Hoje posso dizer que tudo que o Jangadeiros tem e é, pode ser creditado ao trabalho, dedicação e amor dos Filhotes”.

Vários deles já ocuparam, e ocupam, cargos importantes na diretoria do clube e tenho a certeza de que o Jangadeiros continuará no rumo certo.

Passado algum tempo, o clube entrou numa fase de pouca atividade, quase um marasmo, que só foi sacudido quando alguns conselheiros pensaram em transformá-lo em sede de inverno de um clube que reunia veranistas porto-alegrenses na cidade litorânea de Torres, que havia manifestado interesse. Isso não aconteceu porque uma nova diretoria, liderada pelo comodoro Walter Güttler e seu vice, Cláudio Alberto Aydos, assumia os destinos do Jangadeiros e reagiu àquela ideia, colocando em ação um plano que visava aproveitar o promissor potencial que representavam os Filhotes em benefício do clube. Eles foram incorporados ao quadro social em categoria especial e sua sede foi transferida para as dependências do Clube. Em seguida, sob a orientação de Aydos, começaram as aulas de vela, as frequentes regatas internas, inicialmente nos barcos da classe Jangadeiro, e depois nos Sharpie. Era o início de uma nova etapa. As primeiras vitórias alcançadas em competições oficiais serviram de estímulo, aumentando o número de interessados em praticar o esporte. A partir daí, o clube foi conquistando seu lugar de destaque em competições nacionais e internacionais, revelando vários campeões brasileiros e mundiais, todos ou quase todos oriundos do grupo dos Filhotes. Nos anos que se seguiram, novas classes de barcos foram introduzidas no clube e se tornaram da maior importância no seu desenvolvimento.

AS CLASSES DE BARCOS QUE FIZERAM A HISTÓRIA DO CLUBE – CLASSE SNIPE

O ano de 1954 ficou marcado na história da vela gaúcha, e mais especificamente do Clube dos Jangadeiros, pela chegada da classe Snipe, criada nos Estados Unidos e largamente difundida mundo afora, fruto de mais uma bem-sucedida iniciativa de Leopoldo Geyer, não por acaso tido como o “Pai da Vela Gaúcha”. Na época residindo no Rio de Janeiro, ocupava o cargo de Diretor de Vela do Iate Clube do Rio de Janeiro, que já possuía uma flotilha de Snipe desde 1942. Nas frequentes vindas a Porto Alegre, ele observava que os jovens Filhotes tinham dificuldades em competir de igual para igual na classe Sharpie com os iatistas mais veteranos do Veleiros do Sul em vista de terem ainda pouco peso e menos força física. Pareceu-lhe que o Snipe, que vinha dando bons resultados no Rio, seria uma boa opção. Trouxe plantas e especificações da classe e financiou a construção de dez barcos no estaleiro de Casemiro Durajski pelo custo unitário de Cr$ 10.000,00 (Dez Mil Cruzeiros, a moeda da época), preço considerado excelente. Logo houve a adesão de muitos velejadores dos três clubes de vela de Porto Alegre e os barcos foram todos adquiridos. Mas havia um longo caminho a percorrer. Construídos à moda tradicional com madeiras pesadas e lonas pintadas com tinta a óleo cobrindo o convés, os barcos resultaram com um excesso de peso de 70 kg. Entretanto, graças ao esforço de vários velejadores, os barcos que vieram depois foram redesenhados e modernizados, tornando-se competitivos. E os resultados começaram a aparecer.

Em 1955 os campeões estaduais foram dois jovens do Clube dos Jangadeiros, Gabriel Gonzalez – 18 anos, e Nelson Piccolo – 15 anos. Nesse mesmo ano eles foram ao Campeonato Brasileiro realizado em Natal/RN e voltaram com o troféu. Era o primeiro dos cinco campeonatos brasileiros que vieram a conquistar nos anos seguintes.

De 1954 a 1956 houve uma grande evolução nos Snipes gaúchos, puxada por Gabriel Gonzalez. Além de ótimo velejador, dedicou-se a estudar a planta e, explorando as tolerâncias das medidas oficiais, fez alterações no desenho do casco obtendo nova forma para o fundo com um V menos pronunciado na popa, o que permitiria que o barco planasse em vento ao largo ou de través. Nesse novo design a proa resultou mais arredondada, o convés mais abaulado, enfim uma mudança considerável; com isso, os barcos gaúchos passaram de pesados “submarinos” a super Snipes. A construção desses barcos coube a Alberto Lineburger, que depois de vários anos de trabalho no estaleiro de Roberto Funk estabelecera-se por conta própria, produzindo barcos de grande qualidade. Começava ali a trajetória desse construtor que veio a tornar-se conhecido nacional e internacionalmente.

Em marco de 1956, o pequeno Clube dos Jangadeiros realizou pela primeira vez um campeonato brasileiro da classe Snipe, o primeiro de sua história, com ótima participação de velejadores de oito Estados. Resultaram vencedoras, empatadas, as duplas formadas por Gabriel Gonzalez/Nelson Piccolo, do Jangadeiros, e Alfredo Bercht/Eduardo Jacobsen do Iate Clube Guaíba.

Entrega de prêmios do Brasileiro de Snipe 1956: da esquerda para a direita, estão Kurt Keller, Arno Keller, Gabriel Gonzalez, Alfredo Bercht, Eduardo Jacobson, Waldemar Bier e Nelson Piccolo

Ainda nesse ano o clube teve sua primeira participação internacional, com a ida dos campeões brasileiros Gonzalez e Piccolo ao Campeonato do Hemisfério Ocidental da Classe Snipe realizado nas Bermudas.
A má sorte acompanhou a dupla na competição devido à qualidade inferior dos barcos fornecidos. Havia apenas dois ou três em bom estado e o campeonato era disputado com sorteio de barcos a cada regata. Resultado é que Gonzalez e Piccolo tiveram avarias em três das seis regatas realizadas: um mastro e dois lemes quebrados. A foto abaixo é de uma regata que eles lideravam com folga quando o leme quebrou. Mesmo assim, cruzaram a linha de chegada em 6° lugar com leme improvisado.

Gabriel Gonzales e Nelson Piccolo

CAMPEONATO MUNDIAL DA CLASSE SNIPE DE 1959

O rápido desenvolvimento que vinha tendo a classe Snipe no clube, tanto no que dizia respeito à evolução técnica dos barcos e qualidade da construção, quanto ao que se referia ao nível dos iatistas, fez surgir em 1957 a ideia de um campeonato mundial em águas do Rio Guaíba. A primeira providência foi pleitear a indicação do Clube dos Jangadeiros pela Snipe Class International Racing Association/SCIRA quando da realização do Mundial daquele ano em Cascais/Portugal.

Kurt Egon Keller e Sérgio Christo, velejadores do clube, que haviam vencido o Brasileiro de 1958 em Maceió e que lá estavam representando o Brasil, foram os portadores da proposta apresentada em reunião de dirigentes e timoneiros que teve lugar na Câmara de Vereadores de Cascais. Keller, 21 anos, foi um bom advogado da causa apoiado por Luiz Brotherhood, snipista pernambucano que representava a Secretaria Nacional da Classe Snipe. Depois de longos debates, em que os europeus alegavam dificuldades no deslocamento até o Brasil pelo grande dispêndio de tempo e dinheiro, a candidatura do Jangadeiros foi aceita ante a promessa apresentada por Keller de construção de vinte barcos de ótima qualidade que seriam postos à disposição dos participantes, gerando considerável economia para os iatistas estrangeiros. Quando se pensa no Jangadeiros de 62 anos atrás, pode-se dizer que era uma proposta muito arrojada para o pequeno clube no sul do Brasil.

Os Snipes do Mundial ainda no estaleiro

Em 1958, três associados, Cláudio Alberto Aydos, Edwin Ricardo Hennig (que no ano seguinte assumiria a Comodoria) e Kurt Egon Keller, formavam a comissão que trataria de todos os assuntos referentes ao campeonato. Hennig, industrial muito conhecido, encarregou-se de manter contatos com deputados estaduais e federais visando à obtenção de verbas. Viajou também para a Europa, visitando vários centros de vela e divulgando o evento. Concedeu entrevistas a vários jornais e revistas dos países que visitou, garantindo ainda a publicação de futuras notícias sobre o campeonato, trabalho eficiente que rendeu ótimos resultados.

Em Porto Alegre a construção dos barcos era a maior preocupação. A SCIRA enviara plantas e especificações com as mais recentes alterações nas medidas oficiais. O trabalho tinha bom andamento no estaleiro de Alberto Lineburger, cujos barcos já eram considerados os melhores do Brasil na época. A Sociedade dos Amigos da Vela/SAVEL era a financiadora e os barcos foram vendidos antecipadamente pelo sistema de prestações. Os donos os receberiam após as regatas do Mundial.

A SAVEL tratava de arrecadar os fundos necessários à construção dos vinte Snipes e também percorria estabelecimentos comerciais e industriais arrecadando doações. Empresas importantes entraram na corrente de solidariedade e doaram madeiras, tintas e vernizes, colas, parafusos, chapas metálicas destinadas às bolinas dos barcos e ferragens. Dois barcos foram totalmente custeados pela Companhia Jornalística Caldas Júnior e pela Casa Masson. Graças à ação da SAVEL os Snipes foram construídos com os melhores materiais e entregues pontualmente à comissão organizadora do campeonato. Tudo acontecia dentro do previsto.

Os barcos feitos para o Mundial e suas madrinhas no dia do batismo

Paralelamente, o Jangadeiros preparava o IX Campeonato Brasileiro de Snipe que seria realizado na semana anterior ao Mundial. Foi um grande evento. Trinta e nove tripulações de oito Estados brasileiros estiveram na raia de regata, em competição definida pela revista Yachting Brasileiro como “a melhor até o momento, quer em organização, quer em número de barcos, quer em qualidades técnicas”. Os tricampeões brasileiros Gabriel Gonzalez e Nelson Piccolo venceram cinco das seis regatas disputadas e garantiram o título de campeões brasileiros pela quarta vez. Waldemar Bier e Arno Keller, também do Jangadeiros, foram os vice-campeões, ficando em terceiro a dupla formada pelos gêmeos Axel e Erik Schmidt, de Niterói/RJ. Era outubro de 1959. As luzes do Brasileiro se apagavam e já se iluminava novamente o cenário porque começava um campeonato mundial no Rio Guaíba, o primeiro de sua história, primeiro também na América do Sul.

O Mundial atraiu grande público, como mostra o trapiche lotado

Desde o início do mês as delegações de quinze países começaram a chegar, algumas com velejadores conhecidos internacionalmente, como o dinamarquês Paul Elvstroem, três vezes medalha de ouro nos Jogos Olímpicos na classe Finn, o cubano Gonzalo Diaz, o norte-americano Dick Tillmann e os argentinos Fernando e Jorge Sanjurjo.

Na noite de 16 de outubro foram todos recepcionados com um coquetel na sede do clube. Após o coquetel, aconteceu o sorteio dos barcos e alguém comentou que a cena dos velejadores chegando ao galpão onde estavam alinhados os Snipes lembrava um domingo de Páscoa, quando a meninada sai à cata de ovos de chocolate. Realmente, era de entusiasmar aquela flotilha reluzente de barcos novos, perfeitos, construídos segundo os mais recentes requisitos da técnica, pintados cada um de uma cor. O americano Dick Tillmann estava encantado e declarava à revista Yachting Brasileiro que “gostaria bastante de poder levar um desses barcos para a minha terra. E reparem que possuo um barco que julgo dos melhores do mundo”.

O Clube dos Jangadeiros preparou esse campeonato acreditando que os tricampeões brasileiros Gonzalez e Piccolo tinham tudo para brilhar: técnica, ambientação, garra e torcida. A má sorte, entretanto, desmantelou o sonho. Ao término da primeira regata em que ficaram em segundo lugar, perdendo só para Paul Elvstroem, Gabriel, ao voltar para casa (vizinha ao clube) caminhando por murinho de pedra na beira do rio, que às vezes ficava encoberto por água, pisou num caco de vidro que lhe produziu um corte profundo no pé direito, seccionando um tendão e afastando-o definitivamente da competição. Era um caminho que ele percorria quase que diariamente. Naquele dia, a fatalidade aconteceu.

O fato provocou uma emoção muito grande nos companheiros de clube, no dia seguinte “jangadeiros” vagavam pelo clube, trazendo no rosto sinais de uma noite mal dormida. Agora era preciso definir se o Brasil poderia seguir no campeonato. Houve longas discussões entre os dirigentes e consultas ao regulamente, que não permitia a substituição de timoneiros.

Optou-se, então, por uma consulta aos próprios timoneiros, que deram voto favorável à entrada do vice-campeão brasileiro, Waldemar Bier, mantendo a permanência do proeiro Nelson Piccolo. Os pontos obtidos por Gonzalez na primeira regata seriam desconsiderados e a nova dupla começaria do zero. Para completar o azar, não houve condições para a realização da sexta regata e os competidores computaram, sem descarte, os pontos das cinco já corridas e os brasileiros contaram os pontos de apenas quatro. Os dinamarqueses Paul Elvstroem/ Erik Johansen foram os grandes vencedores, com os cubanos Gonzalo e Raul Diaz na segunda colocação.

O Mundial foi encerrado com um grande jantar e entrega de prêmios no Clube do Comércio, escolhido porque a sede do Jangadeiros, simples e pequena, não parecia adequada para tal acontecimento ou, pelo menos, pensava-se assim. Depois ficou evidenciado que fora um equívoco porque os velejadores estariam bem mais à vontade no próprio clube. O jantar ficou marcado por um incidente que causou um atraso muito grande que impacientou a todos. Como a cozinha do Clube do Comércio funcionava um andar abaixo do Salão dos Espelhos, onde se realizava o jantar, um dos cozinheiros teve de trazer escada acima um panelão com o creme de aspargos que seria servido. Teve a má sorte de escorregar, derramando toda a sopa e sofrendo inclusive queimaduras. Obviamente, a sopa teve de ser substituída, ocasionando a grande demora.

Depois de tudo, os prêmios foram entregues, ouviram-se muitas palmas, despedidas aconteceram e as luzes foram se apagando. O primeiro Campeonato Mundial de Snipe realizado abaixo da linha do Equador estava acabando.

AINDA A CLASSE SNIPE

Em 1967, Nelson Piccolo, agora timoneiro, com Carlos Henrique de Lorenzi na proa, conquistou o título de campeão pan-americano em Winnipeg/Canadá e, logo depois o Campeonato Mundial nas Bahamas. Em 1972, duas tripulações do Jangadeiros conquistaram ótimos resultados no Campeonato do Hemisfério Ocidental realizado em Cartagena/Colômbia. O vencedor foi o norte-americano Agustin “Augie” Diaz com seu pai Gonzalo Diaz na proa. Marco Aurélio Paradeda com Mário Teixeira foram os segundos, seguidos por Waldemar Bier e Luiz Eduardo Paradeda. Marco Aurélio, é preciso que se diga, foi bicampeão brasileiro da classe e se credenciou, novamente, a participar de um Campeonato do Hemisfério, ano de 1976, na Nova Escócia/Canadá onde conquistou o título com Luiz Pejnovic na proa, ficando em terceiro, outra dupla do clube, Gastão Altmayer/Mário Teixeira. Muitos outros tiveram passagem nos campeonatos da Classe Snipe, entre eles Michael Weinschenck e Paulo Renato Paradeda. Em 1993, o clube foi sede, mais uma vez de um Campeonato Mundial da Classe Snipe e, mais recentemente, Alexandre “Xandi” Paradeda superou tudo o que já fora feito, vencendo nada menos que dez campeonatos brasileiros e um mundial, este em dezembro de 2001 em Punta Del Este/Uruguai.

Xandi Paradeda e Gabriel Kieling

A CLASSE PINGUIM

Os anos 60 foram de reinado também para a classe Pinguim. Já na época da fundação do Clube dos Filhotes, Leopoldo Geyer tentara introduzir essa classe em Porto Alegre, mandando construir quatro barcos, dois dos quais tocaram aos Filhotes. Contudo, eram barcos feitos apenas à semelhança de um Pinguim, mas fora das especificações técnicas e, portanto, sem competitividade. Nesse ano a vela do Jangadeiros atravessava um período de pouca renovação de iatistas. Os Filhotes do primeiro grupo estavam adultos e haviam passado para outras classes, faltava justamente outra leva que garantisse a continuidade. Então, o clube, que tinha Geraldo Tollens Linck como Comodoro, partiu para um financiamento de vinte Pinguins através da Sociedade dos Amigos da Vela/SAVEL. No final daquele ano os barcos estavam prontos e à espera de tripulações. Kurt Egon Keller, ex-Filhote e integrante da Diretoria do clube, passou a dedicar-se a reorganizar o departamento de vela jovem, providenciando a instalação de alojamentos onde os meninos poderiam passar os fins de semana participando de treinamentos, regatas e aulas de vela. Em janeiro de 1961 organizou uma série de regatas que apontou os representantes do Jangadeiros no primeiro campeonato brasileiro a ser realizado na Represa de Guarapiranga/SP, o qual foi vencido pelo velejador do Yacht Club Santo Amaro, Mário Buckup.

Um outro fato foi importante para o crescimento da classe Pinguim. Não só no Brasil, mas também no Uruguai e na Argentina, o barco se tornava bastante popular e era considerado o melhor para a iniciação de jovens velejadores. Com isso, em breve estabeleceu-se um proveitoso intercâmbio com os países vizinhos. Vários meninos, que mais tarde apareceram muito bem em competições nacionais e internacionais de outras classes, velejavam na classe Pinguim como José Adolfo e Marco Aurélio Paradeda, George Nehm, Hilton Piccolo, Victor Hugo Schneider, Pedro Luiz e Ladislau Szabo, entre outros. Em 1964, Marco Aurélio e José Adolfo Paradeda venceram o Mundial realizado no Iate Clube do Rio de Janeiro. Foi o primeiro dos muitos conquistados pelos velejadores do clube ao longo de mais de vinte anos de atividade da classe.

A Classe Pinguim
Delegação do Clube no Campeonato Mundial de Pinguim, no RJ

Em 1970 era intensa a participação do clube em regatas fora do Estado e a cada saída dos velejadores repetia-se a peregrinação dos dirigentes por fretes adequados ao transporte dos barcos. Era um problema crônico e o vice-comodoro Esportivo, Kurt Egon Keller, pleiteou e obteve o aval do vice-comodoro Administrativo, Enio Moura do Valle, para a encomenda de uma jamanta junto à empresa Randon S.A. de Caxias do Sul. Era um trailer dotado de freio e luzes de sinalização para ser rebocado por caminhão. Que o clube também não tinha.

A primeira viagem da jamanta, em 1971, foi a Buenos Aires, levando Pinguins para um campeonato sul americano, graças à colaboração de uma empresa que cedeu um Dodge 400 para tracionar o trailer. Ao todo, viajaram doze barcos, sendo seis do Jangadeiros e seis do Yacht Club Santo Amaro, que acabavam de disputar o XIII Brasileiro realizado no clube. Esse campeonato foi vencido pela dupla da casa, José Adolfo “Careca” Paradeda e Walter Fayet Hunsche, o popular “Barra Limpa”. A entrega de prêmios aconteceu na noite de 28 de fevereiro e no dia seguinte, 1º de março, ainda de madrugada, o Clube dos Jangadeiros foi surpreendido com uma notícia chocante: o “Barra Limpa”, 19 anos, falecera em um acidente de carro.

Ainda em 1971, o ex-comodoro Edgar Siegmann levou ao conhecimento da Diretoria que o associado Werner Hunsche e sua esposa Alicie Fayet Hunsche haviam decidido doar ao clube uma escola de vela em memória do filho Walter, em prédio que seria especialmente construído na Ilha dos Jangadeiros, a qual já se encontrava num estágio de implantação bem avançado. O arquiteto Jorge Ruhl seria o autor do projeto e o clube destinou à futura escola uma área de 400m2 na face sul da ilha, próxima à rampa de acesso à baía interna.

Voltando à classe Pinguim, o final da década de 1970 testemunhou seu declínio entre os jovens, com o surgimento de barcos mais modernos e velozes, como o Laser e o Optimist, este destinado à iniciação de crianças e adolescentes na vela.

A CLASSE 470

No ano de 1974 outros barcos foram chegando e deram muitas alegrias aos velejadores do Clube dos Jangadeiros: os 470 e os Hobie Cats 14 e 16. Nelson Piccolo aderiu ao Hobie Cat e, praticamente, foi o seu introdutor. No final daquele ano o clube já promovia o primeiro campeonato brasileiro dessa classe, vencido por Piccolo, que virou figurinha carimbada, acumulando uma série de títulos graças aos quais velejou pelos mares do mundo.

Chegaram, também, os 470 – oito barcos importados do estaleiro espanhol, Roga. Marco Aurélio Paradeda, que já havia experimentado o barco no Europa, era o mais entusiasmado com a introdução dessa classe olímpica no clube. Em dezembro, por ocasião da Semana Internacional de Vela, comemorativa aos 40 anos do Veleiros do Sul, com a participação de iatistas europeus e norte-americanos, o Jangadeiros estreou na classe 470 através das duplas formadas por Nils Ostergren/Luiz Pejnovic e Ladislau Szabo/Pedro Luiz Szabo, bem como participou do primeiro campeonato brasileiro com outras duas tripulações, Marco Aurélio Paradeda/Luiz Alberto Aydos e Luiz Eduardo Paradeda/Ralph Johnstone.

No 470, Marco Aurélio, primeiro com Luiz Alberto Aydos e depois com Rolf Peter Nehm na proa, venceu vários campeonatos brasileiros e foi o representante brasileiro nos Jogos Olímpicos em Kingston/Canadá (1976) com Luiz Alberto, e em Los Angeles/EUA (1980) com Peter.

Em fevereiro de 1980 coube ao Clube dos Jangadeiros a organização de mais um campeonato mundial, agora da classe olímpica 470. Compareceram velejadores de dezesseis países, mas, sendo permitida a participação de várias tripulações por país, o número de inscritos chegou a quarenta e cinco. A Argentina e a França compareceram com as maiores delegações, com seis barcos cada, assim como o Brasil. Entre os brasileiros, timoneiros de peso como Mário Buckup, Marcos Soares, Luis Lebreiro, Marco Aurélio Paradeda, José Luis Ribeiro e Victor Hugo Schneider.

Como já acontecera em 1959, no Mundial de Snipe, o clube proporcionava facilidades aos competidores estrangeiros, que desta vez estavam trazendo barcos próprios: o transporte até Porto Alegre era gratuito desde o momento em que chegassem ao Brasil. Fosse no Rio de Janeiro, ou em Santos, ou em Rio Grande, o clube mandava buscar. Para ser distinguido com a honra de realizar um mundial de classe com organização internacional, como o 470, um clube situado no sul da América do Sul precisava oferecer facilidades fora do comum sob pena de não ter sua candidatura aprovada. Enquanto isso, na Europa, não raro realizavam-se campeonatos em beira de praia, às vezes sem qualquer apoio em terra, tais como restaurantes, lancherias ou mesmo sanitários.

Precedendo o Mundial, o clube realizou também o campeonato brasileiro, que foi vencido pelos cariocas Marcos Soares e Eduardo Penido. Entre os dez primeiros, figuraram três tripulações do Clube dos Jangadeiros, com Marco Aurélio Paradeda/Luiz Alberto Aydos em 2º lugar e mais José Luis Ribeiro/Marcos Oppliger Pinto e Victor Hugo Schneider/Cícero Hartmann.

Havia favoritos ao título de campeão mundial de 1980; David Ullman, o norte-americano que já vencera o mundial por duas vezes, o francês Laurent Délage e o japonês Kaio Mifune. Ao final do campeonato, o norte-americano confirmou seu favoritismo, vencendo a série de seis regatas. Se, individualmente, brilharam os norte-americanos, os franceses, sem dúvida, eram a melhor equipe, com ótimos velejadores e um técnico de alto nível, o conhecido iatista Marc Laurent. Ao se despedir, ele deixou uma mensagem que resumia o que tinha sido, a seu ver, o Mundial no Jangadeiros: “Sentimo-nos muito à vontade aqui, a raia é tão boa como outras em que competimos anteriormente, com bom índice de ventos, muito interessante quanto ao plano estratégico, percursos longos e bem colocados, linhas de percursos corretamente orientadas, aplicação sistemática da regra dos cinco minutos, uma equipe muito devotada a resolver os problemas de cada um, uma organização que soube criar e conservar um ambiente aprazível. São tantos os pontos positivos que nos farão conservar deste Campeonato do Mundo de 1980 uma lembrança muito agradável”.

Em agosto de 1983, aconteceu mais uma excelente participação internacional de velejadores do clube. A dupla formada por José Luis Ribeiro e Paulo Roberto Ribeiro foi medalha de ouro nos Jogos Pan-americanos em Puerto La Cruz/Venezuela, uma belíssima conquista, e nos anos seguintes, outra tripulação formada por Victor Hugo Schneider/Cícero Hartmann venceu três campeonatos brasileiros e dois sul americanos. E houve ainda mais uma bela conquista de título com a dupla Alexandre Dias Paradeda e Caio Vergo, vencedora do Campeonato Sul Americano de 1991 em Buenos Aires.

Outro destaque da classe 470 do Jangadeiros é a timoneira Fernanda Oliveira, que começou a velejar muito cedo na classe Optimist como aluna da Escola de Vela Barra Limpa. Transferida mais tarde para o 470, Fernanda vem cumprindo uma trajetória brilhante no esporte, sendo a representante brasileira na classe em nada menos do que cinco Jogos Olímpicos. Em Pequim, com a proeira Isabel Swan, conquistou a Medalha de Bronze. Atualmente forma dupla com Ana Barbachan e se prepara para sua sexta Olimpíada neste ano de 2021, em Tóquio.

Fernanda Oliveira e Ana Barbachan. Foto de Claudio Bergman

CLASSE OPTIMIST

Em 1980 já havia um grupo de pequenos velejadores muito ativos na Flotilha da Jangada, todos eles ex-alunos da Escola de Vela Barra Limpa. A meninada começava a despontar em competições interestaduais e nacionais; o jovem iatista Luís Fernando Blos conquistou vaga na Equipe Oficial Brasileira que disputou o Campeonato Mundial de 1980, em Cascais/Portugal, o mesmo acontecendo no ano seguinte, quando participou do Mundial em Dublin/Irlanda. Em 1984, foi Roberto Milano Guaragna que esteve no Mundial realizado pelo Iate Clube do Rio de Janeiro. E, em 1986, Rafael Paradeda e Gustavo Oderich integraram a equipe que participou do Mundial em Rosas/Espanha.
Em janeiro de 1988, Alexandre Dias Paradeda trouxe para o Jangadeiros, pela primeira vez, o título de campeão brasileiro, conquistado no Rio de Janeiro e, no ano seguinte, seu irmão Ricardo repetiu o feito no campeonato realizado em Porto Alegre, com Dennis B. Koch, então companheiro de clube, em segundo lugar. Os dois, mais Newton Martins Rocha Jr., também conquistaram vaga na equipe oficial que foi ao Mundial daquele ano e, na década de 1990, Frederico Plass Rizzo também teve participações importantes, participando de um Mundial na Dinamarca. Na categoria Feminino, Martha Oyara Rocha, irmã de Newton, era uma velejadora fora do comum, vencendo consecutivamente três campeonatos brasileiros e dois sul-americanos. Ficava assim evidenciado o excelente preparo da vela jovem do clube.
Todas essas classes – dos Sharpies até os Optimists – contribuíram significativamente para que o Jangadeiros atingisse o estágio atual e se alinhasse entre os grandes clubes de vela do Brasil. O reconhecido prestígio de seus velejadores está hoje configurado nas pedras e tijolos, nos jardins e ancoradouros que fazem a beleza da ilha do Clube. As inúmeras vitórias da vela do Jangadeiros foram a mais importante credencial para a obtenção da colaboração de entidades governamentais e privadas na grande construção que hoje é orgulho de todos os associados. Pois de que é feita a imagem de um clube esportivo se não do sucesso de seus atletas e do empenho de seus dirigentes?
Tudo isso aconteceu na história do Jangadeiros. E mais será narrado no capítulo seguinte, dedicado à construção da “Ilha dos Jangadeiros” com texto de Geraldo Tollens Linck, conforme foi publicado no livro editado por ocasião do Cinquentenário do Clube, em dezembro de 1991. Segundo Leopoldo Geyer, Geraldo foi o “homem do carrinho de mão” dessa obra que teve a duração de quatorze anos.

Regata de Optimist – Foto de William Dias Camejo

UMA ILHA NO RIO – O COMEÇO

Geraldo Tollens Linck

7 dezembro de 1991

Para quem chegasse ao Clube dos Jangadeiros lá por 1958 encontraria, por todos os aspectos, um clube fascinante. Pequeno em tamanho, com a maioria dos sócios jovens e apenas alguns um pouco mais velhos, os que tinham fundado o clube há pouco tempo. Era como se fosse uma família, um ambiente que encantava os que tinham oportunidade de viver aqueles dias.

Os desafios que trazia no seu bojo faziam parte desse ambiente de vela, um esporte novo para mim, de que não tinha a menor ideia a não ser por reportagens dos jornais da Companhia Caldas Júnior, que contavam os feitos memoráveis dos sharpistas, snipistas e de uma meia dúzia de barcos de oceano do coirmão Veleiros do Sul, cuja grande aventura chamava-se Lagoa dos Patos. Eles tinham do que se vangloriar com justa razão; eram os pioneiros da vela no Rio Grande do Sul, haviam tido momentos de glória como velejadores e estavam acabando de receber toda a infraestrutura de um clube náutico, com área apreciável e um ancoradouro que nada devia aos melhores europeus e norte-americanos.

Por outro lado, nosso clube tinha apenas 16 anos e uma sede que poderia se dizer pequena, sem abrigo para barcos e sem possibilidade de expansão. Éramos chamados de “gasosas”, uma espécie de soda limonada da época. A turma do coirmão era do chopp, bebida de homem, quando ainda as escotas eram seguradas na mão nua e no pulso. Os primeiros mordedores estavam surgindo e não causavam boa impressão para quem se prezava como velejador, principalmente os proeiros tinham que ser fortes e machos. Trancar a escota não era coisa bem vista…

Minhas primeiras velejadas foram na classe Jangadeiro, com Zoltan Kallai e, em seguida, com Romar Lindau nos Sharpies para logo me integrar nos Snipes, classe que adotei e onde fiquei. Representava o que de mais moderno havia e ainda tinha a vantagem de arregimentar a gurizada do clube, alegre e entusiasta. Velejar e participar de regatas com esses jovens nos meus primeiros anos de clube foram momentos dos mais agradáveis da minha vida náutica. Preparar o barco à noite durante a semana nas garagens do clube era tão bom como correr regatas no sábado e domingo. Eu estava empolgado pelo esporte, pois tudo para mim era novidade. Alguns parceiros no Snipe, com os quais competia na raia, tinham dez ou quinze anos menos do que eu, mas falavam de vela com entendimento e eu os ouvia com respeito. Senti logo que ali estava se formando uma extraordinária plêiade de grandes velejadores, dos quais se poderia tirar, sem exagero, uns dez em condições de representar o Brasil em regatas internacionais de Snipe, coisa que o clube já estava começando a fazer com sucesso. Que motivação maior alguém poderia encontrar?

Mas a pior coisa que pode acontecer para quem deseja se dedicar com afinco ao esporte é ser colocado na diretoria do seu clube. Foi o que aconteceu comigo. Mostrava interesse pela vela, pela vida do clube, sua história e, ainda por cima morava defronte…foi aí que me pegaram. Fui eleito Comodoro em julho de 1960 com Kurt Egon Keller como Vice-comodoro.

Daí por diante vivi cada momento da vida do clube por 17 anos ininterruptos. A Diretoria anterior, com Edwin R. Hennig e Cláudio Alberto Aydos, havia dinamizado a vela ao máximo nos dois anos que culminaram com a realização do Mundial de Snipe de 1959, um sucesso! Nossas garagens transbordavam com os barcos novos que saíam dos estaleiros do Alberto e do Casemiro. Em outubro daquele ano a SAVEL entregava mais vinte Pinguins construídos por Alberto Lineburger.

Na época não se concebia um barco passar ao relento, devendo se considerar que eram todos de madeira. A necessidade de mais uma garagem para os barcos era tão grande que não tivemos dúvida em sacrificar uma cancha de tênis para ali construir um pavilhão de madeira ocupando todo o espaço. O dinheiro para a obra foi arrecadado na Festa da Vela, uma espécie de quermesse de igreja que foi um sucesso, com o clube inteiro participando.

Numa reunião do Conselho Deliberativo em novembro de 1961, eu pedia aprovação para comprar o terreno no lado sul do clube. Confesso hoje que naquela ocasião induzi o Conselho a me dar um preço limite para “não comprarmos o terreno”. Na verdade, eu estava mordido pela ideia de começarmos a ilha que Leopoldo Geyer imaginava desde 1944. Ele, inclusive, já havia ido ao Palácio do Governo, com Carlos Fleck, levando a ideia a Ernesto Dornelles, Interventor Federal, e mais tarde a Walter Jobim, Secretário de Obras Públicas.

A ideia era fazer uma ilha sobre o baixio existente na Baía da Tristeza, de 1000 X 100 m, sem prejuízo à navegação. A falta de dragas na época foi a razão para Leopoldo não ter “demarrado”o projeto(do verbo francês démarrer, que tem vários significados: começar a andar, a funcionar, deixar o porto, partir). Com o limite estabelecido pelo Conselho, não compramos o terreno nem ninguém poderia reclamar que não tínhamos tentado e, assim, poderíamos começar a ilha.

A partir dessa época, comecei a viajar seguidamente e visitar ancoradouros passou a ser uma obsessão em saber o que se fazia lá fora em termos de marinas públicas e privadas. Em julho de 1960 fiz o primeiro contato com o Instituto de Pesquisas Hidráulicas da Universidade Federal do Rio Grande do Sul na pessoa de seu Fundador e Diretor, Eng. Arcy Cattani da Rosa, sondando-o sobre a possibilidade de se construir uma ilha e ancoradouro na parte fronteira ao clube. Ele seria o suporte técnico oficial, reconhecido no governo e no meio empresarial. Engenheiro formado em Hidráulica, havia se especializado em Grenoble/França. Na ocasião em que o procuramos estava trabalhando num modelo reduzido do aterro das praias cariocas do Leme e Copacabana. Empolgou-se com a nossa ideia, prontificando-se a estudar sua viabilidade e se dispondo a trabalhar de graça caso o projeto fosse adiante. Não fosse seu nome dificilmente conseguiríamos a credibilidade para contatos posteriores.

Segue a narrativa de Geraldo Linck: Nessa época, foi interessante um testemunho de Luiz Osório Chagas (companheiro de clube) quando ainda discutíamos como seria a nossa ilha: “Num dos tradicionais jantares de quintas-feiras, que havíamos criado, sentado ao lado do Geraldo, conversávamos sobre a necessidade de expandir a área física do clube. O Comodoro, então, dirigindo-se a mim, diz: – Chagas, tu entendes de barcos, és desenhista, eu te peço que apresentes ideias para a futura Ilha dos Jangadeiros. Concordei e daí por diante não tive mais folga, pois a cobrança do Geraldo era contínua e foram surgindo rabiscos de todo tipo de ilhas, até em papel de embrulho, pois as ideias não podiam escapar. E todas eram afastadas, pois a concepção não era boa.

Numa tarde em que estávamos no clube, levantou um vento de oeste que em poucos minutos atingiu violência incrível, com rajadas de até 80 km. O Kurt Keller e outros associados a caro custo conseguiram salvar o Canusinho (barco de apoio da Comissão de Regata) da destruição. Neste momento surgiu-me a ideia chave que faltava: a ilha é secundária, nós precisamos mesmo é de um ancoradouro seguro. Dimensionado e localizado o ancoradouro em função dos ventos predominantes, a ilha foi surgindo ao natural”.

Ação do minuano na sede do Clube – 1960

Ainda em 1961, foi dado um passo importante. Arnaldo da Costa Varella era essencialmente um homem de Hidrografia e essa feliz coincidência facilitou a arrancada para a construção da ilha e do ancoradouro. Naquele ano, estando ele no comando da Capitania dos Portos do RS em Porto Alegre, conseguiu-se junto à Diretoria de Hidrografia e Navegação da Marinha que o navio hidrográfico Canopus, que ele havia trazido do Japão, fizesse o levantamento batimétrico da baía da Tristeza, nos fornecendo dados valiosos que possibilitaram os primeiros estudos sobre o projeto.

Varella e Cattani da Rosa, não sei o que seria do nosso projeto se não fosse os dois naqueles dias. Na época, tínhamos uma pessoa importante à testa do DNOS, Departamento Nacional de Obras e Saneamento, o Eng. Telmo Thompson Flores. Era do conhecimento público sua ajuda aos clubes esportivos de Porto Alegre, principalmente os de remo, além do Grêmio e Internacional. Procurei-o, informando da decisão do Eng. Arcy Cattani da Rosa de nos dar suporte técnico e do levantamento batimétrico feito pela Marinha. Ele concordou imediatamente em nos ceder pedras de uma pedreira na Ponta Grossa desde que nos encarregássemos do transporte. Melhor ajuda não poderíamos ter recebido porquanto sabíamos de antemão que o maior custo em obras dessa natureza eram sempre as pedras, muito mais do que os aterros.

Em 1962, outro passo era dado e muitos ainda seriam necessários ao longo dos mais de 14 anos em que a ilha foi construída, passos, tropeções, avanços e recuos, saltos e malabarismos inerentes a uma obra de tal vulto. Geraldo relembra:

O dia 5 de abril de 1962 foi uma data especial para nossa obra, das muitas que tivemos nos anos seguintes. Nesse dia histórico para a vida do clube ‘enfrentamos’ o colendo Conselho presidido por Edwin. R. Hennig. Justifiquei a necessidade de um plano de expansão pelo crescimento das flotilhas, falta de espaço para construir galpões, piscinas e canchas de esporte.

Há quase dois anos trabalhávamos na ideia da construção da ilha e do ancoradouro. Relatei os contatos já feitos e transcrevo uma parte da ata daquele dia: ‘Propõe o Comodoro o aproveitamento da receita da venda de títulos proprietários autorizada na última reunião do Conselho, na construção imediata do prolongamento de 60m do trapiche, sendo que após essa realização, em seguida, seria construído o ancoradouro. Sem dúvida foi um ponto importante da reunião a apresentação, por Luiz Chagas, de um dossiê completo constituído por memorial descritivo com fotografias e desenhos de localização, plantas de situação, altimetria e cortes, trabalho valioso e árduo de muitos meses. Ele fez uma ampla explanação através de slides e de uma magnífica maquete da ilha e ancoradouro.

Essa maquete foi utilíssima, usada por anos a fio, permitindo a todos e principalmente às autoridades que nos visitavam visualizar o que seria a nossa futura ilha. A ideia era começar, o que sempre é mais difícil. Depois executar etapa após etapa e um dia a obra estaria pronta. No mesmo ano, conseguimos deferimento da Marinha, do Departamento de Portos, Rios e Canais/DEPREC e do Departamento Nacional de Portos e Vias Navegáveis/DNPVN. Por um dever de justiça e gratidão, devo registrar que boa parte do trabalho desenvolvido para obtenção dessas licenças devemos ao então Capitão do Porto, Capitão de Fragata Arnaldo da Costa Varella. Foi ele quem mandou inserir na Carta Náutica Porto Alegre – Belém Novo, a Ilha dos Jangadeiros, ainda só um projeto. Era a oficialização da obra.

Em meados de 1962, formou-se a Comissão para Construção da Ilha dos Jangadeiros; Edwin R. Hennig, Edgar W. Siegmann, Cláudio Alberto F. Aydos, Edmundo F. Soares, Kurt E. Keller, Rodolfo Ahrons e Geraldo T. Linck.

A Comissão de Construção da Ilha

O processo de legalização da área subfluvial que deveria ser ocupada pela ilha foi um capítulo à parte, extremamente trabalhoso e ingrato, pois tramitou pelo Patrimônio do Estado, Secretaria da Fazenda e Procuradoria do Estado por mais de dois anos. Em junho de 1964 o projeto foi aprovado pela Prefeitura de Porto Alegre e já no dia 1º de julho o Governo do Estado assegurava ao clube o uso da área subfluvial abrangida no projeto”.

Seria muito longo descrever o desenrolar dessa obra que iniciou em 1965 e se estendeu até os anos ’80. Inúmeras foram as etapas, as marchas e contramarchas, tratativas, detalhes da construção e de todos os materiais empregados. A história dessa campanha inesquecível na vida do Clube dos Jangadeiros seguirá, de forma abreviada, a partir do que Geraldo Linck escreveu. O primeiro trabalho consistiu na demarcação do traçado do futuro ancoradouro, com a colocação das estacas de locação dos molhes de arrimo. A Comissão de Construção da Ilha resolveu começar a obra imediatamente, obtendo os recursos iniciais junto de diversos associados e buscando junto a empresas e órgãos governamentais o empréstimo de equipamentos necessários, tais como chatas e batelões para o transporte de pedras que viriam da pedreira situada mais ao sul, na Ponta Grossa, e mais tarde, bate-estacas, tratores, dragas etc.

Geraldo Linck conta: “Assim iniciou-se um dos períodos mais notáveis da vida do clube pelas dificuldades encontradas. Numa obra das mais árduas, de levar a chata para a Ponta Grossa, conseguir carregá-la, trazê-la com 50 metros cúbicos de pedra – 90 toneladas, com reboques precaríssimos – e descarregá-la, muitas vezes pelos próprios sócios, no lugar preciso e procurando não perder nenhuma pedra. Era para nós como se a carga fosse de ouro. Problemas de avarias, faltas de combustível, chuvas, abalroamentos, encalhes, vento contra, temporais e naufrágios foram permanentes. Foi um dos momentos mais difíceis e ingratos da obra. Passamos meses e meses a colocar pedras e mais pedras nos lugares demarcados e elas sumiam uma após outra, como num passe de magia. Não se via nada.

No domingo de Páscoa daquele ano, houve troca de ninhos com ovos e chocolates entre alguns associados. Eu recebi um ninho feito de barba de pau; no centro havia uma pedra e nela escrito ‘Ilha dos Jangadeiros’. Fiquei mudo. Foi como uma pedrada do coelho. Foi um desafio. Os sócios já começavam a murmurar e, daí para frente, a reclamar. Instalava-se a oposição cada vez mais forte e permanente. Só com o passar do tempo fui me dar conta de que ela existia sempre em todos os clubes, em todos os empreendimentos, em tudo. Era frustrante, injusta, mas fomos nos adaptando a ela. Era também parte da obra.

Aí por maio de 1965 era grande a atividade para lançamento da pedra fundamental dos molhes. Edmundo Soares, encarregado da campanha publicitária, pedia que as pedras ao menos surgissem à tona d’água, que colocassem uma em cima da outra para aparecerem! Até então eram colocadas ao longo da linha de estacas demarcatórias do ancoradouro e sumiam. Ninguém as via, salvo aqueles que trabalhavam descarregando-as. Aproveitávamos os finais de semana e feriados para fazer isso com ajuda de um grande número de sócios. Foi algo muito belo na história do clube vê-los deixando o seu lazer para descarregar pedras a mão, uma a uma, trabalho de formiga, trabalho de operário.

Obra em andamento

O nome de Ancoradouro Riachuelo ficou definitivamente aprovado pela comissão, juntamente com o Capitão do Porto, para estreitar ainda mais nossos laços com a Marinha, sempre com papel preponderante ao longo da existência do clube”.

Daquipor diante, o histórico segue em pequenos tópicos e fotografias das diversas etapas da construção da ilha. Houve campanha de doação de batelões, aterro gratuito, novos títulos do clube doados pelo Patrono Leopoldo Geyer para serem vendidos, com a receita totalmente destinada para as obras, mas ocorriam interrupções. Ainda em 1965, em setembro, ficaram sem os batelões, que retornaram ao seu lugar de origem. Foram três meses sem eles e as obras ficaram paradas, mas no início de dezembro o DEPREC, Departamento Estadual de Portos Rios e Canais, novamente os emprestava.

Em março de ‘66 andávamos às voltas com a recuperação do bate-estacas emprestado pelo Serviço de Transporte de Carvão, que desgarrara em consequência de um forte sudoeste e estava submerso.

Um ano depois, em janeiro, o enrocamento, praticamente concluído, possibilitava outras obras. Também em janeiro, a Comissão da Ilha estabeleceu que a parte mais alta da ilha obedeceria a cota de 6 + 6,50m. A Prefeitura de Porto Alegre exigiu, entretanto, que a altura máxima da ilha fosse de 5 m. Essas cotas se referiam ao nível médio zero do Guaíba”.

Fazia tempo que observávamos a formação das praias do Guaíba em consequência de ventos e ondas predominantes. Copiamos o rio. As praias da ilha se adaptaram ao seu regime e isto foi uma garantia para sua estabilidade”.

Lá por abril, recebemos a visita do Eng. Telmo Thompson Flores. Pela primeira vez uma autoridade pisava nas areias da ilha. Perguntados sobre quando terminaríamos a obra, respondemos que realmente não tínhamos um prazo fixo, mas se é pelo entusiasmo de todos nós, talvez fique pronta mais cedo do que se espera. Ninguém tinha a mínima ideia das dificuldades que iríamos ter daí para frente. Para começar, levamos um enorme susto. Um dos batelões do DEPREC afundou na pedreira da Ponta Grossa, contra as pedras, sob a ação de um forte minuano. A operação de salvamento ocorreu no sábado imediato, participando dela Kurt Keller, Dorival Siqueira e eu, mais dois oficiais da Marinha em visita a Porto Alegre, Érico C. Albuquerque e Ralph Vasconcellos. Passamos o dia retirando água com uma bomba e aos poucos calafetando com estopa a parte avariada. Controlada parcialmente a entrada d’água, trouxemos o batelão a reboque com a bomba funcionando todo o tempo. No Jangadeiros, por segurança, afundamos a chata em lugar raso e na semana seguinte a levamos para o Estaleiro Só para os reparos necessários”.

A draga Trajano Ribeiro trabalhou praticamente todo o primeiro semestre de 1967. Sua produção era baixíssima porque era muito antiga. Bombeava mais água do que areia, mas, mesmo assim, pouco a pouco algo foi se conseguindo. Uma réstia de areia foi se formando na parte leste da ilha”.

Vista aérea na Ilha em obras

Em 10 de outubro a comissão para execução da ponte de acesso à ilha, constituída pelos engenheiros Cláudio Alberto Aydos, Rodolfo Ahrons e por Luiz Osório Chagas comunicava que já estava com o projeto definitivo em mãos”.

Em junho de 1968, em números redondos, a obra da ilha poderia ser avaliada em Cento e Vinte Mil Cruzeiros. Se tudo corresse bem, até o fim do ano os associados poderiam ir a pé para a ilha usando a ponte nova, cujo estaqueamento estava praticamente concluído”

Os anos de 1968 e 1969 foram dos mais difíceis na vida do clube. A insatisfação era geral. Já tínhamos os molhes e um pouco de aterro pelo lado da cabeceira da ponte. Havíamos aterrado 20.000 metros cúbicos, mas ainda não estava na cota. Nas cheias o aterro ficava, boa parte dele, embaixo d’água. Da ponte só estavam prontos uns pilares e uma passarela de madeira que servia de acesso à ilha. No aterro havíamos construído dois guarda-sóis de capim Santa Fé que os associados aproveitavam nos dias de sol. Nos finais de semana aconteciam algumas peladas memoráveis, com goleiras demarcadas por camisetas enroladas e pedras em cima.

Mais um momento decisivo da construção da ilha: na reunião do Conselho de 13 de janeiro de 1970 foi lida uma extensa carta que havíamos dirigido à Diretoria e ao Conselho, reclamando que soubera ser intenção da Diretoria usar para outros fins parte de um empréstimo de Cento e Nove Mil Cruzeiros destinado à complementação das obras da ilha e ancoradouro, proveniente do Fundo de Amparo ao Esporte Gaúcho com recursos do Governo do Estado. Era intenção deles aplicar esse dinheiro em melhorias imediatas aos associados em vez de enterrar dinheiro na ilha que não terminava nunca. Foi marcada nova reunião e uns dias antes fui à casa do Patrono Leopoldo Geyer e pedi seu comparecimento para nos ajudar e evitar que a obra fosse descontinuada. No dia, relacionei todo o trabalho já feito para chegar onde estamos. Bom, para resumir, com meu relatório e com a presença e apoio do Leopoldo Geyer, os ânimos serenaram. Conseguimos reverter a situação e o Conselho confirmou a continuidade da obra”.

Em 1971, quase um ano depois, recebemos a doação de 80 flutuadores da firma Christiani & Nielsen. E neste último período havíamos conseguido mais 5.154 metros cúbicos de pedras, estendendo completamente e acabando os molhes necessários para conter os aterros que iam ser feitos”.

Estava pronta a laje da ponte, o que tornou possível o tão desejado acesso de caminhões à ilha. De maio a julho, trouxemos 78 caminhões com varredura de pedreira para impermeabilizar os molhes. Não fossem as doações, empréstimos e preços especiais, dificilmente teríamos progredido tanto”.

No dia 1º de março de 1972 foi destaque, apesar da chuva, a colocação da pedra fundamental da Escola de Vela Barra Limpa, doação do casal Werner e Alicie Hunsche em homenagem ao seu filho Walter Fayet Hunsche, velejador do clube, falecido aos 19 anos em acidente de carro. O Comodoro Edgar Siegmann colocou embaixo da pedra, em uma urna, a ata da cerimônia de doação assinada por todos que estiveram presentes na ocasião, cópias dos discursos, jornais do dia, as moedas correntes e a planta da obra. Terminada a solenidade, entrou um vento sudoeste forte e mais chuva. O Sr. Hunsche me chamou de lado e perguntou-me ao ouvido: – ‘Linck, tu achas que vai dar para construir mesmo a escola aqui? ’. Respondi que sim, com naturalidade, mas muitas vezes ocorriam dúvidas se íamos dominar o rio. Nessas ocasiões de mau tempo, cheias, sudoestes e minuanos, eu me perguntava se esta obra inacabada não iria se desmanchar de repente, transformando-se num grande assoreamento na Baía da Tristeza. Mas bastava melhorar o tempo, o sol brilhar, os ânimos melhoravam e voltava o otimismo, revigorado”.

Obra da Escola de Vela vista do continente

No inverno daquele ano, tivemos dias de violento vento minuano, que fez alguns estragos em um dique que havíamos construído. Serviu, entretanto, como orientação para algumas alterações nos planos de abrigo. Uma rede de luz foi colocada para iluminar a ilha, a fim de facilitar os trabalhos durante a noite. Foi um inverno dos mais duros que já tivemos. Uma chata do DEPREC afundou em nosso ancoradouro e, ainda em setembro, tivemos mais um caso de afundamento, desta vez com nosso barco ‘Corsário’. Aos poucos também estávamos ficando ‘experts’ em recuperar barcos naufragados. Outra das chatas teve sua cabine completamente arrasada por ação de ladrões, que roubaram suas portas, torneiras, lavatórios, WC, válvulas, relógio, bomba e tubos de ferro galvanizado. A mesma estava sob nossa guarda; o clube pagou todo o estrago”.

A partir de janeiro de 1974, foram realizadas várias reuniões com o arqº Francisco Pedro Simch, especialmente contratado para estudar um plano piloto para a ilha. No final daquele ano estávamos praticamente com a infraestrutura da ilha pronta. Havia sido quase 14 anos de trabalho desde as primeiras démarches em 1960. E tínhamos os seguintes dados:

Ilha – Área: 46.887 metros quadrados, aterro estimado: 209.956 metros cúbicos.

Ancoradouro – Profundidade média: 4 metros, área: 51.642 metros quadrados, pedras colocadas: 15.400 metros cúbicos.

Canal – Comprimento: 640 metros, largura: 40 metros, profundidade: 3,5 a 4 metros”.

E chegou 1975 – ‘O que vamos fazer na iIha?’ Passou a ser a nova pergunta. A necessidade anterior, que se resumia a aterros e pedras, multiplicou-se imediatamente numa gama de obras prementes exigidas por nós mesmos: taludes, gramados, calçadões, iluminação, força, água encanada, arborização, ruas, asfalto, trapiches, guincho, piscinas, sede, escola de vela, etc, etc. Uma loucura”!

O 34º aniversário do Clube dos Jangadeiros naquele dezembro de 1975 foi marcado por vários acontecimentos memoráveis, como a inauguração do canal de acesso à ilha pelo Patrono Leopoldo Geyer a bordo de seu barco Cayru, pela realização da Regata Centenário da Imigração Italiana, que contou com a participação dos campeões mundiais de Snipe e Laser, respectivamente Jeff Lenhart e Peter Comette, ambos norte-americanos, de tripulações inglesas, canadenses, suecas, japonesas e uruguaias, além de velejadores do Rio de Janeiro, São Paulo e Santa Catarina. Mas o fato mais marcante foi a inauguração da Escola de Vela Barra Limpa, o primeiro prédio construído na ilha, com uma cerimônia que, pelos fatos que motivaram sua criação, emocionou a todos que estiveram presentes. O Sr. Werner Hunsche, pai do “Barra Limpa”, com palavras de saudade e carinho, fez a entrega da escola ao clube e coube à Sra. Alicie Hunsche desatar a fita à entrada da escola, inaugurando-a oficialmente. Todos puderam, enfim, conhecer o prédio bonito, arejado e aberto à luz, dotado de sala de estar, salas de aula, oficina náutica, recanto para refeições, banheiros, cozinha e alojamento, projetado pelo arquiteto Jorge Ruhl.

Escola de Vela Barra Limpa hoje. Foto de William Dias Camejo

No decorrer de 1976, além de todas as obras de infraestrutura, estavam sendo construídas as piscinas, uma infantil e outra semiolímpica, que foram feitas com a colaboração de associados que doaram muitos metros quadrados de material. Em torno das piscinas foram construídos mais ‘chapéus de sol’ cobertos com palha Santa Fé e foram plantadas 300 árvores, obedecendo ao plano do paisagista Ronald Jamieson. Agora era mais fácil motivar os sócios, pois as obras eram de superfície, bem aparentes. Estava também concluído o projeto de uma pequena sede náutica e vestiários para a piscina”.

Na Páscoa de 1976, Geraldo Tollens Linck iniciava a bordo do seu Plâncton (um ´sloop´ de 12 metros de comprimento) uma longa velejada pelo litoral brasileiro e pelo Caribe, posteriormente relatada nos livros “Velejando o Brasil” e “Um brasileiro velejando as Antilhas”, que alcançaram grande sucesso de venda no país. Geraldo relatou assim esse início” “Numa quarta-feira da Semana Santa de 1976, dia 14 de abril, desatracamos do ancoradouro do Clube dos Jangadeiros, iniciando a primeira etapa do que viria a ser uma longa viagem pela costa brasileira. A tripulação é composta por Hilton Piccolo, 19 anos, George Nehm, 15, meu filho Flávio, 15 e eu, 48 anos.

Na ilha, as obras continuavam. As piscinas estavam concluídas, o ajardinamento prosseguia e as trezentas árvores plantadas já começavam a crescer. Em breve a ilha deixaria de ser apenas um aterro no Guaíba para se tornar um local aprazível e verdejante.

Mesmo envolvido até a medula com a todas essas tarefas, mesmo nos períodos de maior contenção de gastos, o clube nunca deixou de estar representado nos campeonatos das diversas classes de barco em qualquer ponto do país e no exterior. Grandes eram os corações e a coragem para aceitar e vencer os desafios. Extraordinários, também, a resposta e o apoio do quadro social, a quem pouco ou nada era oferecido. Foram tempos difíceis, mas compensadores. A jamanta do clube, a essas alturas, já era “personalidade” notável conhecida de Fortaleza a Buenos Aires, sendo destacada, certa ocasião, até com fotografias no boletim internacional da classe Pinguim.

Depois do Mundial de 470, realizado em fevereiro de 1980, o clube descansava e chegava ao fim de uma fase de “caixa enxuto”, das idas ao cartório de protesto de títulos para pagamentos de última hora que haviam sido uma constante nos tempos de construção da ilha. As diversas Diretorias que se sucederam no decorrer dos anos 80 tiveram a preocupação de aperfeiçoar o que havia sido implantado, realizando obras complementares e atendendo às demandas que surgiam, pavilhões, guindaste, novas rampas, etc. Cada um a seu tempo buscou atingir metas adequadas às solicitações do quadro social e o resultado é que, ao final da década, a soma das atividades resultou em um clube bonito, cheio de vida e em fase de maturidade responsável.

Ilha dos Jangadeiros

Carlos Franco Voegeli dirigiu o clube no período 81/82, sendo o primeiro Comodoro não oriundo do grupo que havia liderado a construção da ilha. O número de barcos de maior porte vinha aumentando consideravelmente e a necessidade de construção de novos trapiches era uma meta a cumprir. Na comemoração do 40º aniversário do Jangadeiros houve uma bela festa na ilha, com a presença do Patrono Leopoldo Geyer e de ex-comodoros que descerraram uma placa comemorativa à construção do espaço que aos poucos se embelezava com o plantio de novas árvores e ampliação dos gramados. Torneios de futebol e vôlei eram frequentes, bem como grandes festas ao ar livre dirigidas principalmente às crianças. Já havia, também, um sólido e animado grupo de velejadores de cruzeiro, que realizavam frequentes velejadas pelo Guaíba e Lagoa dos Patos. Na ilha, não havia descanso. Novas obras eram realizadas, como molhes de proteção ao ancoradouro, um estaleiro com carpintaria, depósito de combustível e novas rampas.

Ilha dos Jangadeiros com destaque para o ancoradouro

Em agosto de 1983, o clube recebeu a triste notícia do falecimento de seu Fundador e Patrono, Leopoldo Geyer, aos 94 anos. Pessoa idealista e empreendedora, cujas iniciativas foram em várias oportunidades decisivas no destino do Clube dos Jangadeiros.

Um passo importante foi dado, em 1988, com a regulamentação de um Fundo de Vela que tinha por finalidade apoiar a vela de competição. Através de um “ranking”, os velejadores se credenciavam a receber auxílio oficial para a participação em campeonatos. Nesse período o clube ainda se dividia entre “continente” e ilha e várias flotilhas continuavam a guardar seus barcos e equipamentos nas antigas instalações, mas aos poucos o quadro foi se alterando com a construção de galpões para barcos na ilha e outras benfeitorias que permitiram a transferência completa. Hoje em dia, as instalações antigas, no “continente”, abrigam o setor administrativo, locais para festas e eventos, um restaurante e uma loja de material náutico abertos ao público.

Antes da Ilha, o Clube terminava aí

Esta história vai chegando ao fim. Em 7 dezembro de 1991, o Cinquentenário do Clube dos Jangadeiros foi marcado por extensa programação esportiva que compreendeu a realização de quatro campeonatos brasileiros e dois sul-americanos, além de grande jantar comemorativo, inauguração de instalações de uma academia de ginástica e sauna e implantação de um pátio destinado a lanchas na extremidade noroeste da ilha.

As Velas de Pedra

As Velas de Pedra

Elas estão lá, fortes, sólidas e bonitas, na face oeste da Ilha dos Jangadeiros e encerram esta narrativa como homenagem ao gigantesco e abnegado trabalho de construção da ilha liderado por Geraldo Tollens Linck e sua equipe, integrada pelos velejadores Cláudio Alberto Franke Aydos, Edgar Willy Siegmann, Luiz Osório Aguillar Chagas, Edmundo Fróes Soares, Kurt Egon Keller e todos os associados que deram seu apoio e colaboração.
As Velas de Pedra vieram do sítio do Geraldo situado na Ponta dos Quatis no extremo sul de Porto Alegre. Geraldo as recebeu como presente de um amigo e as colocou à beira do Guaíba.
Quando ele faleceu, sua esposa Rose Marie Motta Linck as doou para o clube na época em que Michael Weinschenck era o comodoro. As pedras foram então colocadas também à beira do Guaíba, exatamente na mesma posição em que estavam no sítio do Geraldo.
Hoje são ponto de destaque e beleza na paisagem da ilha, principalmente ao pôr do sol. A inauguração aconteceu em 7 de dezembro de 2001 como parte das comemorações dos 60 anos do Clube dos Jangadeiros. Dessa maneira o clube se preparava para prosseguir na sua trajetória rumo ao futuro.

Ilha dos Jangadeiros hoje Foto Bruno Prisco Jr

Texto e Pesquisa – Aimée Virgínia Bento Soares – sócia, ex-velejadora e colaboradora do CdJ – Clube dos jangadeiros

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