Amazônia Azul

“Antecedentes do Programa Antártico Brasileiro – Minha participação” por Luiz Philippe da Costa Fernandes

nova estação antartica
Após incêndio que destruiu, em fevereiro de 2012, a antiga Estação Antártica, esta é a concepção arquitetônica da “Nova EACF”, construída em Xangai, na China. Fonte: Secirm/Proantar.

Atendendo a gentil convite recebido do amigo Geoffroy, aceitei escrever algo sobre o Programa Antártico Brasileiro (Proantar). Alguma hesitação inicial deveu-se ao fato de saber, perfeitamente, que nós, de Marinha, já temos conhecimento razoável sobre o tema, fruto de uma boa quantidade de notícias que são, em boa hora, divulgadas sobre um dos programas mais importantes do País, englobando as características do “Continente Gelado”, as implicações geopolíticas envolvidas, a nossa base antártica, as pesquisas lá desenvolvidas e as “Operações Antártica”, a cargo de navios da DHN e aviões da FAB.

Vislumbrando a possibilidade de fugir ao lugar comum, passo a apresentar ao leitor alguma informação menos conhecida, advinda de minha experiência pessoal, que antecedeu a própria criação do Programa. O interesse não é assegurado, mas garante-se alguma originalidade…

O estágio no British Antarctic Survey (BAS)

Convém recordar que a nossa primeira Operação Antártica – Operantar I (em dezembro de 1982, com o NApOc “Barão de Teffé”, sob o comando do saudoso CMG Fernando José Andrade Pastor Almeida e o NOc “Prof. Besnard”/IOUSP) foi antecedida por cuidadoso planejamento, como sabemos fazer na Marinha. De fato, não seria prudente que arriscássemos navios e suas tripulações para operar em ambiente tão hostil e desconhecido, sem um detalhamento prévio das maiores dificuldades a enfrentar. Tal planejamento desenvolveu-se em duas fases: na primeira, ocorreu o embarque em navios polares de outros países, em comissões na Antártica e visita a bases em terra, com destacada atuação do Comte. Luiz Antônio Ferraz Em uma segunda, havia que conhecer os principais aspectos logísticos a enfrentar, pela organização de apoio em terra, em comissões de tal natureza. E o BAS (Fig. 1) era (é) das mais conceituadas.

atual sede
Atuais instalações do BAS

Designado por portaria ministerial, viajei para Cambridge, sede do BAS, no dia 4 de julho de 1976, acompanhado pelo Dr. Antônio Divino Moura1, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE). De comum acordo, tendo em vista a formação de cada um, para fins de organização do estágio, resolvemos dividir as quatro áreas de atividades do BAS da seguinte forma: Ciências Atmosféricas, sob responsabilidade exclusiva do Dr. Divino; Ciências Biológicas e Administração, a meu cargo; e Ciências da Terra, como tarefa comum.

Tendo em vista a importância óbvia do planejamento logístico em terra, a área de Administração mereceu prioridade especial de minha parte. Incluiu a coleta de informações, com o detalhe possível, sobre a construção de uma base antártica, alimentação, medicamentos, artigos de acampamento, sistemas de comunicações, vestuário, veículos, combustíveis e lubrificantes. Em relação a equipamentos, em geral, coletaram-se informações sobre fabricantes, preços, especificações, prazos de fornecimento etc..

Lembro-me de certa surpresa que experimentei ao verificar a sistemática de recrutamento dos voluntários a guarnecer as bases antárticas. Imaginava a existência de toda uma bateria de testes psicológicos, mas nada disso encontrei. A seleção era feita de modo empírico, com base em entrevistas pessoais e em informações confidenciais solicitadas a pessoas indicadas pelos voluntários. Era valorizado o espírito de aventura e o idealismo, ficando em segundo plano, pelo menos à época, o interesse financeiro …

Na ocasião, visitei, ainda, o Scott Polar Research Institute (SPRI), órgão pertencente à Universidade de Cambridge e também sediado em tal cidade, onde funciona uma das maiores bibliotecas especializadas em assuntos polares e também é sediado o World Data Center C (Glaciologia).

O estágio no BAS foi complementado por visita ao Institute of Oceanographic Sciences (IOS), situado em Wormley, Godalming, proximidades de Londres, visando o conhecimento das atividades oceanográficas que se desenrolavam na Antártica. Ficou-me, da ida de trem, uma lembrança curiosa. Fui instruído a embarcar no que partia às x horas e y minutos da plataforma tal. Que tomasse cuidado para não embarcar no trem que partiria três minutos antes, para o mesmo destino. Achei que, na prática, a coisa não funcionaria assim, mas foi exatamente o que ocorreu! Espero que, algum dia, nossa malha ferroviária possa atender aos horários com tal precisão! (Mas acho que ainda vai demorar …).

Não entro em detalhes sobre a visita ao IOS em si, que abordou temas muito específicos, mas não posso deixar de realçar uma informação interessante: na Inglaterra, os diversos navios oceanográficos ficavam sob a responsabilidade de uma única Instituição – o National Environment Research Council (NERC) que os aloca à diversas organizações de pesquisa oceanográfica, função das prioridades estabelecidas e do local de trabalho (águas interiores, plataforma continental ou alto-mar). Tal sistemática foi por mim enfatizada na Comissão Nacional Independente sobre os Oceanos (CNIO), onde fui o Secretário Executivo, cerca de duas décadas após. A ideia acabou encampada pela Comissão, constando no texto da 1ª edição (1998) da publicação “O Brasil e o Mar no Século XXI – Relatório aos Tomadores de Decisão do País”, e chegou a figurar como “Recomendação” em seu Capítulo XIV – O Brasil e o Conhecimento Científico de seu Mar (pg. 325)2.

recepção Ministro da marinha
Recepção ao Ministro da Marinha para início da cerimônia de posse do Comandante da 1ª invernação

Ao fim do tópico um pequeno acréscimo que nada tem a ver com o Programa Antártico: após o término do estágio no BAS e da visita ao IOS, visando atender interesse da DHN, recebi determinação adicional de efetuar uma visita ao British Aircraft Corporation, em Bristol, visando efetuar inspeção técnica no veículo submarino não tripulado Consub, com vistas à possível compra ou arrendamento, para amostragem do fundo do mar e localização de submarinos sinistrados. A nota é incluída para deixar registrado o interesse da DHN pelo assunto, já em meados da década dos setenta3.

Pelo estágio no BAS, além de outras oportunidades em que estive envolvido com o Programa Antártico, como Secretário da Cirm e Diretor de Hidrografia e Navegação, acredito, sim, que, embora de forma modesta, tive participação no que se constitui um Programa nacional bem sucedido, com reconhecimento internacional.

1 – Atual Diretor Substituto do INPE.

2 – “Viabilizar a aquisição de, pelo menos, um navio moderno, adequado à pesquisa oceanográfica, e colocá-lo em operação sob modelo novo de administração.” Vale acrescentar que a aquisição e a operação do NHOc “Cruzeiro do Sul” aproxima-se de tal concepção: o navio, adquirido graças a uma parceria Marinha /Finep-MCTI, é operado atendendo, em partes iguais, a atividades de interesse da Marinha e da comunidade científica no caso, ao Projeto Laboratório Nacional Embarcado , ficando a seleção dos programas civis a cargo de um Comitê Científico. Em âmbito governamental, mais restrito, a aquisição do NPqHo “Vital de Oliveira” representa uma aproximação de natureza distinta: adquirido graças a uma parceria pública privada MCTI/Marinha/Vale/ Petrobras, sua operação hidroceanográfica deverá dividir-se igualmente entre os quatro financiadores.

3 – Após o recebimento do NPqHo “Vital de Oliveira”, em julho de 2015, dotado de um ROV (veículo de operação remota) capaz de operar em até quatro mil metros de profundidade, a Marinha passou a dispor de tal importante equipamento de pesquisa.

foto Ate Costa fernandes
Luiz Philippe da Costa Fernandes
Vice-Almirante reformado, Hidrógrafo e oceanógrafo. Entre outros cargos, comandou o Noc “Almirante Câmara” (1976/78), foi Adido Naval na Argentina (1983/84), Secretário da Comissão Interministerial para os Recursos do Mar (Secirm) (1985/87), Comandante do Controle Naval do Tráfego Marítimo (1988) e Diretor da Diretoria de Hidrografia e Navegação (DHN) (1989/92). Representante/delegado ou chefe de delegação do Brasil ou da Marinha em várias reuniões, no País ou no exterior. Graduação em Oceanografia Biológica e Biologia Marinha na Station d’Endoume et Centre d’Océanographie, da Faculdade de Ciências de Aix-Marselha (1964). Bacharel e Licenciado em História Natural (FFCL/UGF, 1966/70) e Doutor em Ciências Navais (EGN, 1979). Na reserva, foi o Secretário-Executivo da Comissão Nacional Independente sobre os Oceanos (CNIO) e coordenou a elaboração da primeira edição de “O Brasil e o Mar no Séc. XXI – Relatório aos Tomadotres de Decisão do País” (1996/98). Primeiro Coordenador Executivo do Centro de Excelência para o Mar Brasileiro (Cembra), durante sua gestão (24/11/2009 a 17/07/2014), coordenou a segunda edição de tal publicação (2012) e sua primeira atualização virtual. Alguns trabalhos mais importan­tes/recentes: “A Pesquisa do Mar em seus Aspectos Internacionais”, 58p. – monografia apresentada na EGN (1973); “A Importância do Mar” – 1998 (português e inglês), Rev. Mar. Bras. 12p; “Brasil – Perturbador na Conjuntura Internacional” (co-autoria) – 2005, Rev. Clube Naval, 18p.; livro “Amazônia Azul – O Mar que nos pertence” (co-autoria) – 2006, Record, 305p.; “Uma Década de Grandes Realizações no Mar Brasileiro 1999 – 2008” (inédito) – 2008, 66p.. Comendador da Ordem Nacional do Mérito Científico.
 

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